Esclarecimento sobre a aplicabilidade da Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho

I - O pedido:

 

O Senhor Presidente da Câmara Municipal de … através do ofício ref.ª 2025, 17, S, 17,10527, de 24-06-2025, vem solicitar esclarecimento quanto à aplicabilidade da Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho, à luz do atual ordenamento jurídico, considerando o seguinte:

 

Como é do conhecimento de V. Exas., o regime do contrato de trabalho em funções públicas, anteriormente previsto na Lei n.º 58/2008, de 11 de setembro, foi revogado pelo artigo 42.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, determinando-se, por essa via, a cessação da vigência do regime constante daquele diploma legal, com a consequente perda de eficácia das disposições regulamentares que dele dependiam, nomeadamente a referida Portaria n.º 609/2009, ainda formalmente em vigor.

Não obstante, o n.º 2 do artigo 42.º da LTFP estabelece a possibilidade de manutenção da validade de regulamentos publicados ao abrigo da legislação entretanto revogada; contudo, a omissão de referência expressa à Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, suscita fundadas dúvidas quanto à aplicabilidade da Portaria n.º 609/2009, uma vez que esta se encontra diretamente interligada ao quadro normativo que foi revogado, podendo, por esse motivo, considerar-se comprometida a sua vigência no atual contexto jurídico.

Paralelamente, verifica-se que o artigo 121.º da LTFP continua a remeter expressamente para a Portaria n.º 609/2009, o que parece contradizer a revogação do regime legal que lhe servia de suporte, originando uma situação de incerteza jurídica quanto à sua vigência e aplicabilidade no atual contexto normativo.

Neste enquadramento, e tendo presente a necessidade de garantir segurança e clareza na aplicação do regime jurídico vigente, solicita-se a V. Exas. o devido esclarecimento sobre:

a) A atual aplicabilidade da Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho, no contexto da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas;

b) Se está prevista, ou se se considera adequada, a emissão de novo ato regulamentar que substitua formalmente aquele diploma, em conformidade com o regime instituído pela LTFP.”

 

II – Análise:

 

A Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho, aprova o modelo de registo de trabalho extraordinário e os elementos que deve conter.

Conforme consta da sua nota preambular, esta Portaria foi aprovada ao abrigo do n.º 2 do artigo 113.º do Regulamento do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro:

2 - O registo de trabalho extraordinário deve conter os elementos e ser efetuado de acordo com o modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública.”

Nesta sequência, este diploma visa regular os procedimentos de registo, tendo aprovado um modelo de suporte para tal, sem prejuízo de ser adotado outro suporte adequado, desde que este contenha os elementos informativos indicados no modelo, conforme resulta dos seus artigos 1.º e 2.º:

“1.º O registo de trabalho extraordinário previsto no n.º 2 do artigo 113.º do Regulamento deve conter os elementos e ser efetuado nos termos do mapa anexo à presente portaria.

2.º O registo referido no número anterior pode ser feito em livro ou noutro suporte documental adequado, designadamente em impressos adaptados a sistemas de relógio de ponto, mecanográficos ou informáticos.”

Assim, tendo em conta o modelo de registo, verifica-se que se trata de registar os elementos necessários ao adequado processamento das correspondentes remunerações (bem como a indicação do período de descanso compensatório gozado, se aplicável), por trabalhador, ou seja, a informação que permite apurar se tal prestação obedece aos requisitos fixados por lei (limites, fundamento, compensação).

Por outro lado, esta Portaria não determina a obrigatoriedade de registo de ‘trabalho extraordinário’, porque no âmbito e vigência do RCTFP, tal obrigatoriedade encontrava-se prevista na lei habilitante, no n.º 1 do artigo 165.º, da seguinte forma:

1 - A entidade empregadora pública deve possuir um registo de trabalho extraordinário onde, antes do início da prestação e logo após o seu termo, são anotadas as horas de início e termo do trabalho extraordinário.”

Mais determinava, de acordo como o n.º 5 do mesmo artigo, que este registo, de acordo com o formulário técnico aprovado, ou realizado noutro suporte documental adequado, fosse mantido durante cinco anos, com a relação nominal dos trabalhadores que efetuaram trabalho extraordinário, de modo a possibilitar a fiscalização da Inspeção-geral de Finanças ou outro serviço de inspeção legalmente competente.

Em suma, esta Portaria, na vigência do RCTFP não determinava a obrigatoriedade do registo, nem determinava a obrigatoriedade do modelo, ou impresso que consta em anexo à mesma.

 

Com a Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou em anexo a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LGTFP, verifica-se a revogação do RCTFP, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º, o que permite concluir que o artigo 165.º do RCTFP está revogado.

Porém, a norma revogatória da Lei n.º 35/2014, de 20 junho, não obsta a que se mantenham em vigor os regulamentos publicados ao abrigo da legislação revogada, atento o disposto no n.º 2 do mesmo artigo:

“2- Mantêm-se em vigor os regulamentos publicados ao abrigo da legislação revogada pela presente lei, quando exista igual habilitação legal na LTFP, nomeadamente: a)…. b)… c)…” (sublinha-se a parte que se pretende destacar)

Ora, a indicação a título de exemplo, não impede que outros regulamentos, por força desta norma, não sejam considerados em vigor, como seja o caso da Portaria em análise.

De facto, com a LGTFP, a denominação “trabalho extraordinário”[1] foi substituída por “trabalho suplementar”, de modo a englobar todas as situações de trabalho prestado pelos trabalhadores em funções públicas fora do horário de trabalho, em dia normal de trabalho, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado, cujo regime vem regulado nos artigos 120.º e 162.º da LGTFP.

E, tal como acontecia com o RCTFP, manteve-se a obrigatoriedade do seu registo, por força do artigo 121.º da LGTFP, remetendo-se, tal como constava do n.º 2 do artigo 113.º do RCTFP, para a regulação, por portaria, dos elementos que devem constar deste registo:

“Artigo 121.º

Registo

1 - O empregador público deve possuir e manter durante cinco anos a relação nominal dos trabalhadores que efetuaram trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas e indicação do dia em que gozaram o respetivo descanso compensatório, para efeitos de fiscalização pela IGF ou por outro serviço de inspeção legalmente competente.

2 - O registo de trabalho suplementar deve conter os elementos e ser efetuado de acordo com o modelo aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública.”

 

A este propósito, esclarece a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, DGAEP, nas suas FAQ - Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas_ IX - Organização e tempo de trabalho[2], o seguinte:

3. Trabalho suplementar significa o mesmo que trabalho extraordinário?

Sim. Os trabalhadores com vínculo de emprego público podem prestar trabalho fora do horário de trabalho sendo este denominado trabalho suplementar.

» 4. Onde se encontra regulada a matéria relativa ao trabalho suplementar para os trabalhadores com vínculo de emprego público?

A matéria encontra-se regulada no Código do Trabalho, estando na LTFP fixado os limites de duração, a obrigatoriedade do empregador público manter um registo desse trabalho e a atribuição de suplemento remuneratório (cfr. artigos 120.º, 121.º e 162.º da LTFP).”

A DGAEP, disponibiliza, ainda, em “Documentos Técnicos _Formulários Técnicos_ registo de trabalho extraordinário”, a Portaria n.º 609/2009, de 5 de Junho, bem como o seu anexo, o modelo para o Registo de horas de trabalho extraordinário.

 

Face ao exposto, quanto à obrigatoriedade do registo, verifica-se que a LGTFP mantém igual habilitação legal, concluindo-se que se mantém em vigor a Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho, nos termos do n.º 2 do artigo 42.º da Lei n.º 35/2014, em conjugação com o n.º 2 do artigo 121.º da LGTFP.

Mantendo-se obrigatório, deve conter os elementos do mapa anexo à Portaria, que correspondem, aliás, aos elementos exigidos no n.º 1 do artigo 121.º da LGTFP: identificação do trabalhador que efetuou trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas e indicação do dia em que gozaram o respetivo descanso compensatório, por aplicação dos limites e das importâncias fixadas nos artigos 120.º e 162.º da LGTFP.

Considerando-se, ainda, que este registo poderá ser feito em livro ou noutro suporte documental adequado, designadamente em impressos adaptados a sistemas de relógio de ponto, mecanográficos ou informáticos, desde que permita apurar se tal prestação obedece aos requisitos fixados para o efeito (permitindo o controlo, acesso e comunicação desta informação)[3].

 

III - Conclusão:

Com base no exposto, em resposta às questões formuladas, conclui-se:

a. A Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho, mantém-se em vigor nos termos do n.º 2 do artigo 42.º da Lei n.º 35/2014 e do n.º 2 do artigo 121.º da LGTFP;

b. Nos termos da LGTFP, compete ao empregador público manter um registo do trabalho suplementar, nos termos dos artigos 120.º, 121.º e 162.º, contendo os elementos informativos indicados nesta Portaria, de modo a satisfazer a verificação da prestação deste tipo de trabalho, sem prejuízo da adaptação do suporte de registo indicado, face a diferentes sistemas de registo.

 

[1] De acordo com o regime anterior, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de agosto, distinguiam-se dois regimes: “trabalho extraordinário”, com referência ao trabalho prestado fora do período normal de trabalho diário, e “trabalho prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado” (artigo 33.º).

[2] Em: DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego Público

[3]Assegurando, ainda, a informação que integra o Processamento de Remunerações e respetivo Prazo de Conservação Administrativa, nos termos da Portaria n.º 112/2023, de 27 de abril, que aprova o Regulamento para a Classificação e Avaliação da Informação Arquivística da Administração Local, Tabela de Seleção, em anexo.

 

 

Data de Entrada
Número do Parecer
2025/010