Articulação do curso de formação específico com o período experimental no âmbito da carreira especial de fiscalização
I – A questão:
A Senhora Vereadora de Administração, Assuntos Jurídicos e Ambiente da Câmara…, através do Ofício n.º 5058, de 11-04-2025, relativamente a trabalhadores recrutados para a carreira especial de fiscalização, na sequência de aprovação em procedimento concursal, vem solicitar a “emissão de parecer referente à conjugação do período experimental com curso de formação específico, respeitante à carreira especial de fiscalização”, transmitindo o seguinte entendimento:
“Atendendo a que o curso de formação específica pressupõe um período de estágio em contexto trabalho, com duração de 154 horas, considera-se que a partir do início do estágio poderá iniciar-se o período experimental, período que se destina a comprovar se as trabalhadoras possuem as competências exigidas pelo posto de trabalho que vão ocupar.
Assim, entende-se, salvo melhor opinião, que em conformidade com os pressupostos legais, o período experimental da carreira de fiscalização pode ter início aquando do início do estágio (a decorrer através de formação prática em contexto de trabalho) respeitante ao curso de formação específico consagrado na Portaria n.º 236/2020, de 8 de outubro.” (cf. a Informação n.º 7866/2025, de 10-04-2025, desta CM).
II – Análise:
Extrai-se do presente pedido que se pretende considerar como data de início do período experimental na carreira especial de fiscalização, a data de início do estágio a decorrer através de formação prática em contexto de trabalho, previsto no curso de formação específico, regulado pela Portaria n.º 236/2020, de 8 de outubro.
Importa, por isso, identificar as regras de cada uma das condições, ou seja, quanto ao período experimental e quanto ao curso de formação específico, começando por identificar estes requisitos no âmbito do Regime da Carreira Especial de Fiscalização, RCEF[1], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/2019, de 20 de agosto (versão atualizada):
- O Período Experimental e o Curso de Formação Específico para Ingresso de Trabalhadores na Carreira Especial de Fiscalização:
A duração do período experimental dos trabalhadores recrutados para a carreira especial de fiscalização é de seis meses, conforme decorre da regra fixada no artigo 6.º do RCEF, de modo a acompanhar a duração mínima do curso de formação específico, igualmente de seis meses, de acordo com o n.º 2 do artigo 7.º do RCEF:
“Artigo 7.º
Curso de formação específico
1 - A integração na carreira especial de fiscalização depende de aprovação em curso de formação específico, a ministrar pelo organismo central de formação para a Administração local, que é regulado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração pública e das autarquias locais.
2 - O curso de formação específico tem a duração mínima de seis meses.
3 - A frequência do curso de formação tem lugar durante o período experimental, cuja duração corresponde à duração do curso de formação específica caso esta seja superior.
4 - A aprovação no curso de formação específica depende de uma classificação final não inferior a 14 valores, numa escala de 0 a 20 valores.
5 - Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor da portaria referida no n.º 1, estejam a frequentar ou tenham frequentado curso de formação específico, estão dispensados da frequência do curso a que se refere o presente artigo, sempre que se candidatem a procedimento concursal para recrutamento de trabalhadores a integrar na carreira especial de fiscalização.”
No entanto, em reforço da igual duração, prevê o n.º 3 deste artigo que o período experimental tenha uma duração superior a seis meses, quando a duração do curso de formação específica seja superior.
Conclui-se, assim, que o regime estabelecido pelo RCEF, para efeitos de integração na carreira, pressupõe a articulação necessária entre as duas condições, porque permite, no mesmo período, o cumprimento do período experimental e a aprovação em curso de formação específico.
Este curso, de acordo com o artigo 4.º do Regulamento do Curso de Formação Específico para Ingresso de Trabalhadores na Carreira Especial de Fiscalização, aprovado pela Portaria n.º 236/2020, de 8 de outubro, constitui um instrumento de formação inicial, que inclui a realização do estágio a decorrer através de formação prática em contexto de trabalho, conforme a seguir de identifica:
“Artigo 5.º
Duração do curso e plano de estudos
1 — O curso de formação específico, que visa habilitar os formandos com conhecimentos e aptidões para o exercício das funções inerentes à carreira, tem a duração mínima de seis meses, com um total de seiscentas e dezoito horas e integra-se no período experimental a que se refere o n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, LTFP, na sua redação atual.
2 — O curso de formação específico é organizado em três ciclos de formação e estágio a decorrer através de formação prática em contexto de trabalho, sendo o respetivo conjunto de conteúdos o constante no anexo do presente Regulamento, que dele faz parte integrante.”
O que, resulta, desde logo, do próprio regime de criação de carreiras especiais, de acordo com os requisitos cumulativos das alíneas a) a c) do n.º 4 do artigo 84.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (versão atualizada), destacando-se o requisito relativo ao curso de formação específico:
“c) Os respetivos trabalhadores tenham que ter aprovação em curso de formação específico de duração não inferior a seis meses ou deter certo grau académico ou título profissional para integrar a carreira.”
Trata-se, pois, de formação inicial, destinada a habilitar os formandos com conhecimentos e aptidões para o exercício das funções, sendo estes os objetivos do curso.
Nesse sentido, o plano de estudos inclui uma componente de formação prática, cuja avaliação, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do mesmo Regulamento, é contínua e culmina na discussão e apreciação do relatório elaborado pelo trabalhador sobre um aspeto específico da administração local que tenha sido objeto da sua experiência no decurso do estágio.
Enquanto formação inicial, o curso de formação é realizado durante o período experimental, conforme o RCEF, mas tal não poderá conduzir ao incumprimento das regras próprias do período experimental, a seguir identificadas:
- O regime do período experimental:
Nos termos expostos, o diploma que dispõe sobre a carreira estabeleceu a duração para o respetivo período experimental, ao abrigo do n.º 4 do artigo 49.º da LGTFP, no entanto, em tudo o mais, quanto à formação do vínculo, em matéria que não esteja especialmente prevista no RCEF, aplicam-se as regras gerais, previstas na LGTFP.
Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 45.º da LGTFP, o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução das funções[2], e destina-se a comprovar se o trabalhador possui as competências exigidas pelo posto de trabalho que vai ocupar.
Deste modo, qualquer que seja a modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público, corresponde, em regra, ao tempo inicial de execução do vínculo, ou ao tempo inicial de desempenho de nova função, no caso de trabalhador que já seja detentor de um vínculo de emprego público por tempo indeterminado (artigo 45.º/2).
De acordo com as regras de contagem da LGTFP, o período experimental é contínuo[3], começa a contar-se a partir do início da execução da prestação pelo trabalhador, compreendendo as ações de formação ministradas pelo empregador público ou frequentadas por determinação deste, desde que não excedam metade do período experimental (artigo 50.º/1).
Esta contagem suspende-se nos dias de faltas, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, bem como de suspensão do vínculo (artigo 50.º/2).
Durante o período experimental o trabalhador é acompanhado por um júri, especialmente constituído para o efeito, que procede, no final, à avaliação do trabalhador (artigo 46.º).
III – Em conclusão:
Com fundamento no exposto, conclui-se:
- O regime especial estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 114/2019, de 20 de agosto (versão atualizada), para efeitos de integração na carreira especial de fiscalização, pressupõe a articulação necessária entre as duas condições de integração, porque permite, no mesmo período, o cumprimento do período experimental e a aprovação em curso de formação específico, incluindo a sua componente prática formativa (estágio);
- Por força do regime de formação do vínculo em funções públicas, aprovado pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o período experimental, em regra, corresponde ao tempo inicial de execução das funções do trabalhador, é contado de forma contínua e está sujeito a um processo de avaliação próprio, pelo que a possibilidade de começar em data posterior ao início da atividade, ou ficar dependente de outra avaliação, não tem enquadramento legal.
[1] Estabelece o regime da carreira especial de fiscalização, extinguindo as carreiras de fiscal municipal, de fiscal técnico de obras, de fiscal técnico de obras públicas e de todas as carreiras de fiscal técnico adjetivadas.
[2] O exercício de funções na carreira especial de fiscalização é efetuado na modalidade de vínculo de emprego público, constituído por contrato de trabalho em funções públicas, cf. n.º 3 do artigo 2.º do RCEF; a data de início da atividade constitui um dos elementos do contrato, cf. al. e) do n.º 2 do artigo 40.º da LGTFP.
[3] DGAEP_FAQ (12) - Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, em: DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego Público