Avaliação do desempenho - Reclamação - Pedido de parecer jurídico

 

I - O pedido:

 

A Senhora Presidente da Câmara …, através do Ofício n.º 3738, de 28 de março de 2023, vem solicitar parecer “quanto à reclamação apresentada pela Técnica Superior (…), afeta ao Gabinete de Informação e Relações-Públicas da Câmara (…) nomeadamente, se basta o mero ato de reclamação ou se terá que existir alteração da avaliação quantitativa para que a trabalhadora possa ver modificada, por essa mesma via a sua avaliação para desempenho “Relevante”.

 

A acompanhar o presente pedido de parecer consta um parecer jurídico sobre esta questão, Informação (sem n.º.), Data 27/02/2023, Proc.º SGD n.º 118, da Divisão Jurídica e Administrativa desta Câmara Municipal.

 

II - Os factos:

 

De acordo com os elementos transmitidos, identificam-se os seguintes factos:

 

- A reclamação da avaliada diz respeito ao biénio 2019-2020;

- No biénio em causa, a reclamante obteve a pontuação máxima em cada parâmetro, e consequentemente, a pontuação ponderada máxima (5);

- Na unidade orgânica da reclamante verificou-se outra proposta com a pontuação máxima em cada parâmetro, e consequentemente, a pontuação ponderada máxima (5);

- As duas propostas ultrapassavam a “quota” disponível para menção de desempenho relevante, atribuída “por unidade Orgânica e por carreira”, de acordo com os critérios fixados pelo conselho coordenador de avaliação, “em reunião de 21/11/2018”;

- O conselho coordenador de avaliação não validou, no caso da reclamante, a proposta de desempenho relevante, por aplicação de critérios de desempate;

  • Não consta informação sobre as decisões adotadas pelo conselho coordenador de avaliação.

 

III - Análise:

 

  1. Quanto à questão colocada:

 

Tendo por base os factos identificados, não obstante não ser possível identificar as decisões que envolvem o processo de avaliação do biénio 2019-2020, é possível extrair que a proposta de avaliação, que foi sujeita a homologação, resultou da decisão sobre a aplicação de critérios de desempate, por parte do conselho coordenador de avaliação, aquando da não validação da proposta de desempenho relevante.

 

Tais critérios não são identificados, no entanto, por referência à Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro (redação atualizada), que estabeleceu o sistema integrado de avaliação do desempenho na Administração Pública, SIADAP,[1] considera-se que a disposição legal que terá sido aplicada é aquela que o próprio SIADAP prevê, no seu artigo 84.º:

 

Quando, para os efeitos previstos na lei, for necessário proceder a desempate entre trabalhadores ou dirigentes que tenham a mesma classificação final na avaliação de desempenho, releva consecutivamente a avaliação obtida no parâmetro de «Resultados», a última avaliação de desempenho anterior, o tempo de serviço relevante na carreira e no exercício de funções públicas.”

 

Os critérios de desempate têm que operar nos termos da lei, e no caso dos efeitos da avaliação do desempenho, operam para distinguir as menções qualitativas, em sede de avaliações finais, ou seja, em função das menções qualitativas reconhecidas, cujos efeitos constam do artigo 52.º do SIADAP e do artigo 91.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (versão atualizada)[2].

 

Neste caso concreto, conforme adiante melhor se identificará, em relação ao processo de avaliação, os critérios de desempate operaram na fase das propostas de avaliação, ainda tendentes à avaliação final, e esse papel, além de conduzir a problemas como o descrito neste caso, configura, na prática, um enviesamento dos princípios e objetivos fundamentais do SIADAP: reconhecer e distinguir os desempenhos, comparar resultados, estimular e promover a motivação profissional, bem como o desenvolvimento de competências (artigos 5.º e 6.º).

 

Por outro lado, como questão prévia, importa analisar a questão colocada:

 

O presente pedido resulta da análise realizada na Informação da Divisão Jurídica e Administrativa, supra identificada, quanto à possibilidade ou não de alteração da avaliação final, tendo por referência o esclarecimento da DGAEP[3], a seguir transcrito:

 

A alteração da avaliação final em sede de reclamação ou de recurso está condicionada pelas percentagens máximas de mérito e excelência?

 

Não. Nestes casos, por respeito pelas garantias constitucionalmente consagradas de reclamação e recurso, esta alteração não depende da prévia existência de percentagens disponíveis, nem releva para efeitos de apuramento do respetivo cumprimento.”

 

Sobre esta FAQ, concluiu-se naquela Informação:

 

Ainda que a D. G. A. E. P. não refira os fundamentos ou pressupostos que levaram à resposta acima transcrita, o entendimento geral tem sido no sentido de que se refere apenas às reclamações que ainda possam permitir alteração da avaliação quantitativa, ou seja, cujas pontuações nos parâmetros de avaliação fossem inferiores a 5”.

 

Face ao exposto, sem mais explicação sobre o “entendimento geral” invocado, é de considerar que estamos perante uma premissa que, a ser adotada, permitiria concluir que uma avaliação quantitativa inferior a 5 releva favoravelmente para efeitos da aplicação do SIADAP e, ao contrário, uma avaliação quantitativa igual a 5 releva, para os mesmos efeitos, desfavoravelmente, o que, além de absurdo[4], colocaria em causa as regras e os princípios que regem a avaliação do desempenho, porquanto:

 

O sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública, dos seus dirigentes e dos seus trabalhadores, assenta numa conceção de gestão centrada no reconhecimento e distinção do desempenho (artigos 5.º, 12.º e 66.º, n.º 1).

 

Em consequência, os resultados, em regra quantificáveis, são objeto de medição em termos de eficácia, eficiência e qualidade do desempenho (artigos 4.º, al. e), 46.º e 47.º).

 

Representam, deste modo, uma grandeza, um número, uma cifra, um cálculo (n.º, % ou taxa), o que, entre outras características, permite a sua mensurabilidade e a comparabilidade dos resultados.

 

As pontuações finais dos parâmetros[5] e a avaliação final são expressas até às centésimas e, quando possível, milésimas (n.º 12 do artigo 36.º, aplicável por remissão do n.º 5 do artigo 50.º).

 

A avaliação final expressa-se, deste modo, num resultado quantitativo, obtido através da média ponderada das pontuações obtidas nos dois parâmetros de avaliação, sendo a partir deste que é determinada a sua expressão qualitativa (artigo 50.º, n.º 4).

 

Nos termos legais expostos, a avaliação final é composta pela expressão quantitativa e pela expressão qualitativa, sendo que qualquer uma destas poderá ser objeto de discussão em sede de reclamação ou de recurso, incluindo no caso do reconhecimento de excelência (artigo 51.º).

 

Deste modo, considera-se que a resposta da DGAEP tem por objetivo resolver a alteração da avaliação final em sede de reclamação, ou de recurso, de modo a não ficar condicionada pelas percentagens máximas de mérito e excelência, sem distinguir o objeto dos pedidos de reclamação ou de recurso, porque cada situação requer a sua análise adequada e a respetiva decisão.

 

Em suma, só a análise dos factos, neste caso dos factos que motivaram o impasse e conduziram à solução do desempate, permitirá concluir se tal decisão tem fundamento ou justificação no caso concreto.

 

Importa, para tal, decidir a reclamação apresentada[6].

 

  1. Quanto à reclamação:

 

Estamos perante um quadro legal específico, o SIADAP, que consagra a reclamação, constituindo-a como uma das fases do processo de avaliação (artigo 61.º, alínea h) e artigo 72.º, n.º 1).

 

Para a decisão da reclamação, exige o mesmo quadro legal, que o dirigente máximo tenha em conta os fundamentos apresentados pelo avaliado e pelo avaliador, bem como os relatórios da comissão paritária ou do conselho coordenador da avaliação sobre pedidos de apreciação anteriormente apresentados (n.º 2 do artigo 72.º).

 

A exigência de fundamentação destes atos configura uma garantia administrativa geral[7], com especial significado no procedimento de avaliação: a menção qualitativa da avaliação e a sua expressão quantitativa devem ser explicadas, fundamentadas, devendo existir coerência[8] entre a expressão quantitativa e a qualitativa.

 

O que equivale, em face dos factos, que neste caso, entre a expressão quantitativa máxima em todos os parâmetros e a menção qualitativa do desempenho que foi considerada, não existe coerência.

 

Considera-se, deste modo, que o decisor deverá ter em conta todos os elementos que suportaram o procedimento levado a cabo, de modo a identificar a motivação dos factos, e em face destes aplicar o direito.

 

E assim, quanto à questão colocada, se por via da reclamação é ou não alterada a avaliação final atribuída, tal dependerá, pois, da verificação dos vícios ou irregularidades que forem identificados, e quais as consequências daí resultantes[9];

 

Concluindo-se, por isso, que o que está em causa neste caso - implica a verificação do processo que conduziu à decisão que foi tomada sobre a aplicação dos critérios de desempate - não se subsume à abordagem da questão respondida pela DGAEP.

 

Porém, os elementos transmitidos com o presente parecer não permitem proceder à sua verificação, no entanto, sem prejuízo da análise casuística, é possível aferir quais os pontos a considerar:

 

  1. Quanto ao processo de avaliação:

 

De acordo com o artigo 64.º do SIADAP, na 2.ª quinzena de janeiro do ano seguinte àquele em que se completa o ciclo avaliativo, em regra, realizam-se as reuniões do conselho coordenador da avaliação para proceder à análise das propostas de avaliação e à sua harmonização de forma a assegurar o cumprimento das percentagens relativas à diferenciação de desempenhos, transmitindo, se for necessário, novas orientações aos avaliadores, na sequência das previstas na alínea d) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 62.º, d), e iniciar o processo que conduz à validação dos desempenhos relevantes e desempenhos inadequados e de reconhecimento dos Desempenhos excelentes.

 

Seguem-se as reuniões de avaliação, entre o avaliador e os avaliados, tendo como objetivo dar conhecimento da avaliação (artigo 65.º).

 

Daqui resulta o primeiro ponto de verificação:

 

Tendo em conta as competências do conselho coordenador de avaliação (artigos 58.º e 64.º), na reunião de harmonização das propostas de avaliação referente ao biénio 2019-2020, na 2.ª quinzena de 2021, deveria este órgão ter procedido à análise das propostas de avaliação e à sua harmonização, de forma a assegurar o cumprimento das percentagens relativas à diferenciação de desempenhos.

 

Em consequência, nesta fase, as propostas de cada unidade orgânica teriam que ser analisadas, porque, de acordo com a informação transmitida, sobre as decisões tomadas em 2018, “por unidade Orgânica e por carreira”, resultava a necessidade, para o seu cumprimento, de dar essa orientação aos avaliadores.

 

Quanto à carreira, de facto, as percentagens devem, em regra, ser distribuídas proporcionalmente por todas as carreiras (n.º 2 do artigo 75.º).

 

Quanto ao outro critério, por “unidade orgânica”, facilmente se compreende o seu objetivo: destina-se a impedir casos iguais ao que é descrito, isto é, casos de propostas com a pontuação máxima, além da “quota” disponível.

 

Em contradição, o facto de terem sido propostas iguais, requeria a fundamentação da diferenciação do mérito por parte do avaliador, neste caso particularmente exigente: por um lado, face a uma menção disponível, por outro lado, porque colocava em causa justamente, o objetivo de distribuição proporcional pelas restantes unidades.

 

E neste seguimento, certo é que prosseguiu com duas propostas com pontuação máxima nos parâmetros, o que suscitava a necessidade, desde logo, de aferir quanto aos objetivos e competências fixadas para o biénio, previamente estabelecidos, se estes conduziram, ou não, ao reconhecimento de um desempenho com impacto nos serviços (artigo 75.º. n.º 5).

 

O segundo ponto de análise a efetuar, diz respeito, portanto, à verificação da fundamentação apresentada por parte do avaliador.

 

A pontuação máxima ponderada, sendo excecional, deve demonstrar os contributos relevantes para o serviço, o impacto e o valor acrescentado.

 

Até porque, só após a deliberação que viesse a ser tomada pelo conselho coordenador de avaliação - vistas as propostas de avaliação apresentadas pelos avaliadores de cada uma das unidades orgânicas e eventual necessidade de se proceder à sua harmonização, de modo assegurar o cumprimento das percentagens relativas à diferenciação de desempenhos, transmitindo, se for caso disso, novas orientações aos avaliadores - é que estava o avaliador legitimado para realizar as reuniões com cada um dos respetivos avaliados, tendo como objetivo dar conhecimento da avaliação (artigo 65.º).

 

Se assim não fosse, seria previsível que todos os avaliadores, mediante os objetivos e competências por si escolhidos, sem qualquer aferição, pudessem prosseguir com propostas de avaliação com pontuações ponderadas máximas, tornando inútil qualquer diferenciação do desempenho, conduzindo, automaticamente, a uma solução de desempate.

 

De acordo com os factos, não é possível identificar quais as orientações fixadas na reunião de harmonização, nem é possível concluir se o avaliador as cumpriu, porque não foi prestada informação sobre estas decisões.

 

De seguida, em linha com as fases do processo de avaliação, após as reuniões de avaliação, realizam-se as reuniões do conselho coordenador da avaliação tendo em vista a validação das propostas de avaliação com menções de desempenho relevante (artigo 69.º), ou seja, o avaliador, apesar da quota de que dispunha para a respetiva unidade orgânica, colocou para validação propostas além desse número, com a pontuação máxima nos dois casos.

 

Aqui chegados, o conselho coordenador teria que analisar e decidir, vejamos o que diz a lei:

 

Em caso de não validação da proposta de avaliação, o conselho coordenador da avaliação devolve o processo ao avaliador acompanhado da fundamentação da não validação, para que aquele, no prazo que lhe for determinado, reformule a proposta de avaliação (n.º 3 do artigo 69.º).

 

No caso de o avaliador decidir manter a proposta anteriormente formulada deve apresentar fundamentação adequada perante o conselho coordenador da avaliação (n.º 4 do artigo 69.º).

 

No caso de o conselho coordenador da avaliação não acolher a proposta apresentada nos termos do número anterior, estabelece, por si, em vez do avaliador, a proposta final de avaliação, que transmite ao avaliador para que este dê conhecimento ao avaliado e remeta, por via hierárquica, para homologação (n.º 5 do artigo 69.º).

 

Tanto mais, que no âmbito das suas competências, conhece as prioridades e os objetivos fixados para o biénio, e dessa forma, está habilitado para identificar o impacto, ou contributo, de determinado gabinete ou equipa para os resultados, garantindo, por isso, o rigor e a diferenciação de desempenhos do SIADAP3 (al. d) do n.º 1 do artigo 58.º).

 

Assim sendo, resulta um outro ponto de aferição:

 

Importa verificar a fundamentação que habilitou à diferenciação do desempenho por parte do conselho coordenador de avaliação, ou se na sua falta ou insuficiência, a proposta foi devolvida ao avaliador para melhor distinguir e fundamentar as propostas formuladas.

 

E, nesta sequência, decidindo o avaliador manter a proposta anteriormente formulada, verificar se o conselho coordenador exerceu as suas competências, assumindo uma proposta de avaliação fundamentada no mérito, garantindo a diferenciação do desempenho.

 

IV – Conclusões:

 

Com fundamento no exposto, verificando-se que a reclamação ainda não foi decidida, compete ao decisor ter em conta os fundamentos apresentados pelo avaliado e pelo avaliador, bem como do conselho coordenador da avaliação, em especial, conforme os pontos assinalados, relativamente às fases do processo de avaliação:

 

Quanto às orientações transmitidas aos avaliadores sobre os critérios de diferenciação do desempenho, à fundamentação apresentada pelo avaliador em face dessas orientações, e ainda, sobre as decisões do conselho coordenador sobre as propostas apresentadas pelo avaliador, em termos de reconhecimento de um desempenho com impacto nos serviços.

 

E, assim, quanto à questão colocada, se por via da reclamação a menção qualitativa poderá ser alterada, tal dependerá, conforme exposto, da verificação da existência ou não de factos que permitam explicar, justificar, em coerência com a expressão quantitativa máxima, o reconhecimento e distinção do mérito.

À consideração superior,

 

[1] Adaptado aos serviços da administração autárquica pelo Decreto Regulamentar n.º 18/2009, de 04 de setembro.

[2] Para além dos efeitos previstos no artigo 52.º do SIADAP, a avaliação do desempenho dos trabalhadores tem os efeitos previstos no artigo 91.º da LGTFP, em matéria de alteração de posicionamento remuneratório na carreira (artigos 156.º a 158.º), de atribuição de prémios de desempenho (166.º e 167.º) e efeitos disciplinares (desempenho inadequado).

[3] DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, em FAQ _SIADAP Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro_ VI_ Diferenciação de desempenhos.

[4] Reductio ad absurdum, latim, "redução ao absurdo".

[5] A avaliação de cada competência é expressa em níveis a que corresponde, igualmente, uma pontuação numérica, cf. artigo 49.º do SIADAP.

[6] A decisão sobre a reclamação compete ao presidente da câmara, cf. a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 18/2009.

[7] No respeito do dever de fundamentação, em particular, quanto aos atos que decidam a reclamação, cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º do CPA.

[8] Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato, cf. o n.º 2 do artigo 153.º do CPA.

[9] Depende do vício/irregularidade, cf. os artigos 161.º e ss do Código de Procedimento Administrativo.

 

Data de Entrada
Número do Parecer
2023/015