Direito à perceção de suplementos remuneratórios por funcionários camarários designados para a função de execução de tributos locais.

A Câmara Municipal de …, sobre o assunto em epígrafe, vem solicitar o devido esclarecimento quanto às questões que se passam a transcrever:

“Até ao início da vigência da Lei n.º 75/2013, os funcionários camarários que integravam a comissão de execução de tributos locais tinham direito à participação nas custas derivadas dos processos de execução fiscal por analogia com os funcionários da administração central da DGCI que exerciam a mesma tarefa.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 75/2013, por força do disposto na alínea c) do seu artigo 15.º e na falta de legislação própria que regule a execução coerciva de impostos locais pelos funcionários camarários, essa atividade passou a ser desempenhada pelos serviços da Autoridade Tributária, deixando de ser prestada pelos serviços camarários.

A questão, todavia, impõe-se quanto à cobrança coerciva de taxas, dívidas ou outras figuras análogas, que se mantêm na esfera das atribuições das câmaras municipais, poderão os funcionários que exercem essa atividade participar nas receitas da cobrança dessas taxas por aplicação analógica do disposto no DL n.º 335/97?

No caso concreto da Câmara Municipal de …, todas as comissárias que atualmente exercem as atividades supra podem participar nas receitas da cobrança de taxas, ou apenas a funcionária que exerce as funções referidas desde período anterior a 03 de setembro de 2013 terá direito ao suplemento remuneratório visado?

Face ao exposto, vem esta edilidade solicitar, a V.Ex.ªs., que se pronunciem se efetivamente há lugar à participação nas receitas da cobrança coerciva por parte dos funcionários camarários, e em que termos? Esta receita também é devida à Câmara Municipal? Em que proporção?

Vejamos:

Estabelece o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) que: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à constituição e à lei..”, ou seja todos e quaisquer atos da administração estão subordinados ao principio da legalidade.

A atividade administrativa possui como limite mínimo e máximo a letra da lei, em obediência ao princípio da legalidade.

Nos termos do Código do Procedimento Administrativo (CPA) - n.º 1 do artigo 3.º: “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins”, limitando-se dessa forma, a discricionariedade da Administração Pública (AP).

Conforme é referido por Luís Cabral de Moncada, código do Procedimento Administrativo – anotado, Coimbra Editora, 2017 a pág. 71 e 72: “Toda a atividade administrativa fica sujeita à legalidade. Não ficam dela excluídos determinados sectores da atividade administrativa a pretexto, de não contenderem com a esfera jurídica dos particulares dela destinatários ou de apresentarem efeitos apenas internos sem relevância nas relações entre a Administração e os particulares (…) Fica perfeitamente claro do código que a lei constitui não apenas o limite negativo da atividade administrativa, mas positivamente o seu fundamento e critério, por mínimo que seja, pelo que este é sempre uma atividade secundária relativamente à lei. A Administração não pode fazer o que quiser dentro dos limites da lei (preferência de lei) mas apenas o que a lei lhe deixa fazer (reserva de lei).”

Dito isto, importa desde já referir que o Decreto-Lei n.º 247/87, de 27 de fevereiro, que veio estabelecer o regime de carreiras e categorias, bem como as formas de provimento, do pessoal das câmaras municipais, serviços municipalizados, federações e associações de municípios, assembleias distritais e juntas de freguesia dispunha no seu artigo 57.º sob a epígrafe “Assessor autárquico” o seguinte:

“1 - Aos funcionários providos definitivamente na categoria de assessor autárquico por força do disposto no n.º 5 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 116/84, de 6 de Abril, de harmonia com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 44/85, de 13 de Setembro, é facultado candidatarem-se, nos termos gerais, a concurso para lugares de ingresso ou acesso das carreiras técnica superior ou técnica, remunerados por letra de vencimento igual ou imediatamente superior, desde que possuam os requisitos habilitacionais exigidos para o provimento naqueles lugares e contem, pelo menos, três anos de serviço naquela categoria, classificados de Muito bom, ou cinco, classificados de Bom.

2 - Aos funcionários providos definitivamente na categoria de assessor autárquico por força do disposto no n.º 5 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 116/84, de 6 de Abril, de harmonia com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 44/85, de 13 de Setembro, possuidores, no mínimo, do 9.º ano de escolaridade, é facultado candidatarem-se a concurso para provimento em lugares de ingresso ou acesso da carreira técnica, remunerados por letra de vencimento igual ou imediatamente superior à que detêm, desde que previamente habilitados no concurso a que alude o artigo 7.º do presente diploma e contem, pelo menos, três anos de serviço na categoria, classificados de Muito bom, ou cinco anos, classificados, no mínimo, de Bom.”

Os funcionários referidos no n.º 1 de acordo com a nova redação do n.º 5 do artigo 13.º da Lei n.º44/85, de 13 de setembro dispõe que: “Aos funcionários providos na categoria de chefe de secretaria é assegurado o provimento na categoria de assessor autárquico de acordo com o mapa II em anexo” acrescentando o n.º 7 do mesmo artigo que: “Os funcionários referidos no n.º 5 poderão continuar a exercer funções notariais sempre que o órgão executivo do município o julgue conveniente, não podendo auferir anualmente, a título de participação emolumentar, bem como de custos fiscais remuneração superior a 70% do seu vencimento base como assessores autárquicos.”

Porém, quer o Decreto-Lei n.º 116/84, de 6 de abril, na redação da Lei n.º 44/85, de 13 de setembro, quer o Decreto-Lei n.º 247/87, de 27 de fevereiro, foram expressamente revogados respetivamente, pelo estatuído no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 305/2009, a partir de 25.10.2009, e no artigo 116.º alínea q) da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.

Acresce que, com a entrada em vigor a partir de 1 de janeiro de 2009 da Lei n.º 59/2008, deixaram de vigorar na ordem jurídica o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro, conjugado como artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 184/84, de 2 de junho, deixando de haver cobertura legal para a perceção dos suplementos em assunto.

Aliás, sobre esta mesma matéria, em reunião de coordenação jurídica de 2009.03.16 promovida pela Direção-geral das Autarquias Locais, à questão sobre se “Com a publicação da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro (LVCR) e da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, a partir do dia 1 de janeiro de 2009 deixaram de vigorar na ordem jurídica o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro, conjugado com o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho. Relativamente às participações em custas de execuções fiscais, considera-se que tais suplementos remuneratórios se mantêm atento o disposto no artigo 112.º da LVCR?

A solução interpretativa

Não, com base no n.º 3 do artigo 56.º da Lei das Finanças Locais.

Fundamentação

Estabelece o artigo 56.º, n.º 3, da Lei das Finanças Locais, Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, que compete aos órgãos executivos a cobrança coerciva das dívidas às autarquias locais provenientes das taxas, encargos de mais-valias e outras receitas de natureza tributária que aqueles devam cobrar aplicando-se o Código de Procedimento e de Processo Tributário, com as necessárias adaptações. Logo não existe norma legal que permita o pagamento aos referidos funcionários. Com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro (LVCR) e da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, a 1 de janeiro de 2009 deixaram de vigorar na ordem jurídica o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro, conjugado com o artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho, e o artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de junho.” – Consultável em http://www.portalautarquico.pt/pt-PT/reunioes-de-coordenacao-juridica/

Note-se que esta solução interpretativa, promovida nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2012, de 16 de janeiro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2014 de 10 de novembro, e homologada em 2009-09-29 pelo membro do Governo que então tutelava as autarquias locais, é vinculativa para a DGAL, IGF e CCDR’ S.

Do que ficou dito, ficam prejudicadas respostas afirmativas à primeira e segunda questão colocada pela autarquia, mantendo-se o direito da autarquia a perceber nos termos legais os montantes correspondentes às execuções fiscais derivadas de taxas e impostos a ela devidos.

É o que cumpre informar sobre o solicitado.

 

Data de Entrada
Número do Parecer
2022/022