Pedido de parecer – Enquadramento contraordenacional das atividades marítimo-turísticas

A Câmara Municipal de …, através de ofício datado de 05.04.2023, registado nesta CCDR Algarve com a referência E02476-202304, sobre o assunto em epígrafe, veio solicitar esclarecimento quanto ao enquadramento contraordenacional das atividades marítimo-turísticas face à transferência de competências para os órgãos municipais, no domínio da gestão das praias marítimas, fluviais e lacustres integradas no domínio público hídrico do Estado, operado pelo Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro.

Vejamos:

I

A Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, aprovada pela Assembleia da República estabeleceu a Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais.

Nos termos do n.º 1 do seu artigo 4.º “A transferência das novas competências, a identificação da respetiva natureza e a forma de afetação dos respetivos recursos são concretizadas através de diplomas legais de âmbito setorial relativos às diversas áreas a descentralizar da administração direta e indireta do Estado, os quais estabelecem disposições transitórias adequadas à gestão do procedimento de transferência em causa.” – sublinhado nosso.

Nesta sequência e sob a epígrafe “Praias marítimas, fluviais e lacustres”, o seu artigo 19.º, vem determinar que compete aos órgãos municipais nas praias marítimas, fluviais e lacustres integradas no domínio público do Estado:

“a) Proceder à limpeza e recolha de resíduos urbanos;

b) Proceder à manutenção, conservação e gestão, designadamente, do seguinte:

i) Infraestruturas de saneamento básico;

ii) Abastecimento de água, de energia e comunicações de emergência;

iii) Equipamentos e apoios de praia;

iv) Equipamentos de apoio à circulação pedonal e rodoviária, incluindo estacionamentos, acessos e meios de atravessamento das águas que liguem margens de uma praia;

c) Assegurar a atividade de assistência a banhistas, sem prejuízo da definição técnica das condições de segurança, salvamento e assistência a definir pela entidade competente;

d) Realizar as obras de reparação e manutenção das retenções marginais, estacadas e muralhas, por forma a garantir a segurança dos utentes das praias.

2 - Compete igualmente aos órgãos municipais, no que se refere às praias mencionadas no número anterior:

a) Concessionar, licenciar e autorizar infraestruturas, equipamentos, apoios de praia ou similares nas zonas balneares, bem como as infraestruturas e equipamentos de apoio à circulação rodoviária, incluindo estacionamentos e acessos;

b) Concessionar, licenciar e autorizar o fornecimento de bens e serviços e a prática de atividades desportivas e recreativas;

c) Cobrar as taxas devidas;

d) Instaurar e decidir os procedimentos contraordenacionais, bem como aplicar as coimas devidas.

3 - A transferência de competências é efetuada sem prejuízo da salvaguarda das condições de segurança inerentes ao regime do domínio público marítimo.

4 - A transferência das competências previstas nos números anteriores é definida por decreto-lei, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º.” – sublinhado nosso.

 

É, então, com a publicação do Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro, que se concretiza nos termos dos n.ºs 1 do artigo 4.º e n.º 4 do artigo 19.º acima transcritos o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais no domínio das praias marítimas fluviais e lacustres, e que dizem respeito à gestão das praias integradas no domínio público hídrico do Estado.

O domínio público hídrico do Estado é composto pelo mar, rios, ribeiras, lagos, albufeiras, outros cursos de água e alguns terrenos localizados nas margens destas águas. São zonas consideradas de utilidade pública e que contam com regras de proteção especiais, como as que condicionam a sua utilização por entidades privadas.

O Decreto-Lei n.º 108/2009, de 15 de maio, na sua redação atual após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 95/2013, de 19 de julho, pelo Decreto-lei n.º 186/2015, de 15 de maio e pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, veio estabelecer as condições de acesso e de exercício da atividade das empresas de animação turística e dos operadores marítimo-turísticos.

Nos termos das alíneas a) e b) artigo 2.º deste diploma são definidas respetivamente como “Empresa de animação turística” a pessoa singular ou coletiva que desenvolva, com caracter comercial, alguma das atividades de animação turística referidas no artigo seguinte, incluindo o operador marítimo-turístico, e como “Operador marítimo-turístico”, a empresa sujeita ao Regulamento da Atividade Marítimo-Turística (RAMT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2002, de 31 de janeiro, e alterado pelos Decretos Leis n.ºs 178/2002, de 31 de julho, 269/2003, de 28 de outubro, 289/2007, de 17 de agosto, e 108/2009, de 15 de maio, que desenvolva alguma das atividades de animação turística referidas no n.º 2 do artigo 4.º.

Assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º “São atividades de animação turística as atividades lúdicas de natureza recreativa, desportiva ou cultural, que se configurem como atividades de turismo de ar livre ou de turismo cultural e que tenham interesse turístico para a região em que se desenvolvam, tais como as enunciadas no anexo ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante” – sublinhado nosso.

Ora, umas das atividades constantes deste anexo, são justamente entre outras, o “…Surf, bodyboard, windsurf, kitesurf, skiming, standup paddle boarding e similares”, atividades estas referidas pela entidade consulente.

Portanto, o Decreto-Lei n.º 108/2009, de 15 de maio, na sua redação atual, veio estabelecer as condições de acesso e de exercício da atividade das empresas de animação turística e dos operadores marítimo-turísticos e atribuir à entidade fiscalizadora ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) a competência para a instauração dos procedimentos contraordenacionais referidos no artigo 31.º, e a aplicação do respetivo o regime sancionatório.

II

Como já referido anteriormente, é com a publicação do Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro, que se concretiza, nos termos dos n.ºs 1 do artigo 4.º e n.º 4 do artigo 19.º acima transcritos, o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais no domínio das praias marítimas fluviais e lacustres, e que dizem respeito à gestão das praias integradas no domínio público hídrico do Estado.

E é neste mesmo diploma que, o seu artigo 3.º, n.º 3, alíneas a) e b) dispõem que: “Compete igualmente aos órgãos municipais, no que se refere às praias mencionadas no artigo 1.º:

a) Concessionar, licenciar e autorizar infraestruturas, equipamentos, apoios de praia ou similares nas zonas balneares, bem como as infraestruturas e equipamentos de apoio à circulação rodoviária, incluindo estacionamento e acessos, com respeito pelos instrumentos de gestão territorial aplicáveis;

b) Concessionar, licenciar e autorizar o fornecimento de bens e serviços e a prática de atividades desportivas e recreativas; …”

E no que concerne à atividade contraordenacional por violação das alíneas a), b), d), g), h), i), n) do n.º 1 e nas alíneas a), e), f), do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 96-A/2006, de 2 de junho, com a nova redação do seu artigo 13.º, constante do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro, os municípios, relativamente às praias marítimas, ou de águas fluviais e lacustres, integradas na área territorial afeta à sua administração, são as entidades competentes para proceder à instrução e decisão dos processos de contraordenação, assim como para a aplicação das coimas, respetivas sanções acessórias e medidas cautelares.

No mesmo sentido está a nova redação do n.º 2 do artigo 83.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, constante do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro, quando determina que “Compete exclusivamente aos municípios, a instauração, instrução e decisão dos processos de contraordenação, assim como a aplicação das coimas, respetivas sanções acessórias e medidas cautelares, relativamente às competências transferidas pelas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro, nas praias marítimas ou de águas fluviais e lacustres, integradas na área territorial afeta à sua administração.”

III

O Decreto-Lei n.º 45/2002, de 2 de março, estabelece o regime das contraordenações a aplicar nas áreas sob jurisdição da autoridade marítima nacional (AMD).

São consideradas áreas de jurisdição da AMD todas as águas interiores sujeitas à sua jurisdição nos termos legalmente previstos, a faixa de terreno do domínio público marítimo nesta jurisdição incluída, o mar territorial e, em conformidade com as disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982, a zona contígua, a zona económica exclusiva e a plataforma continental.

Os ilícitos contraordenacionais encontram-se tipificados no seu artigo 4.º, competindo ao capitão do porto para além de fiscalizar o cumprimento deste diploma, determinar o estabelecimento de medidas cautelares, proceder à instrução processual, aplicar as coimas e decretar as sanções acessórias decorrentes da prática dos ilícitos contraordenacionais.

Diga-se, desde logo, que o âmbito de aplicação deste diploma é bastante mais vasto e de carácter geral face ao domínio da gestão das praias marítimas, fluviais e lacustres integradas no domínio público do Estado, cujas competências foram transferidas para as autarquias, considerando este, um regime especial.

Salvo melhor opinião, as alíneas c) e d) do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 45/2002, de 2 de março, pretendem, no primeiro caso, abarcar a realização de provas desportivas ou eventos culturais, que nas áreas de jurisdição da autoridade marítima carecem da necessária autorização e, no segundo, a falta de registos das embarcações necessários à náutica de recreio.

Ora, nenhuns destes casos se reconduzem às situações concernentes à pratica das atividades recreativas constantes no anexo ao Decreto-Lei n.º 108/2009, de 15 de maio, quais sejam como já referimos as atividades de “…Surf, bodyboard, windsurf, kitesurf, skiming, standup paddle boarding e similares”, para além de que estes equipamentos não estão sujeitos a registo nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Regulamento das Embarcações Utilizadas na Atividade Marítimo-Turística, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 149/2014, de 10 de outubro.

IV

Em conclusão:

1 - As condições de acesso e de exercício da atividade das empresas de animação turística e dos operadores marítimo-turísticos são regulamentadas no Decreto-Lei n.º 108/2009, de 15 de maio, na sua atual redação;

2 – Compete à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) fiscalizar a observância daquele diploma, proceder à instrução dos processos contraordenacionais, salvo os decorrentes de infrações ao artigo 26.º, cuja competência é do presidente do IMT, I.P.., e ao ICNF, I.P., as contraordenações ambientais previstas neste decreto-lei;

3 – Nos termos do artigo 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 96-A/2006, de 2 de junho na sua atual redação, os municípios, relativamente às praias marítimas ou de águas fluviais e lacustres integradas na área territorial afeta à sua administração, são as autoridades competentes para proceder à instrução e decisão dos processos de contraordenação, assim como a aplicação das coimas, respetivas sanções acessórias e medidas cautelares, relativamente às infrações indicadas nas alíneas a), b), d), g), h), i), n) do n.º 1 e nas alíneas a), e), f), do n.º 2 do artigo 3.º.

É o que nos cumpre informar sobre o solicitado,

Data de Entrada
Número do Parecer
2023/016