Pedido de Parecer - Presidente da Junta de Freguesia - Meio tempo

I - O pedido:

 

O Senhor Presidente da Junta de Freguesia de …, através de email de 10 de março de 2023, vem solicitar parecer sobre a “possibilidade de passar a poder usufruir da remuneração atribuída a Meio Tempo”, expondo a seguinte situação:

 

Neste momento sou Presidente da Junta de Freguesia de … desde outubro de 2021 (últimas Eleições Autárquicas).

Quando a Lei o permitiu, manifestei pelos meios legais a intenção de passar a exercer o Mandato a Meio Tempo, uma vez que todos os Presidentes de Junta, independentemente do número de eleitores, o poderiam fazer.

Foi-me permitida essa possibilidade por intermédio da DGAL e passado algum tempo, chegou à Junta uma quantia monetária no valor de 3 335,85 euros para me repor a quantia devida com retroativos, a partir de janeiro de 2021.

A minha profissão é a de Professor, mas como pertenço à Direção (sou Adjunto) do meu Agrupamento de Escolas (Monchique), disseram-me que não podia estar a meio tempo na Junta e assim devolvemos à DGAL a quantia anteriormente referida. Acontece que me chegou ao conhecimento, que existe agora a possibilidade de não ser prejudicado pelo facto de pertencer a uma Direção de Escola e passar a poder estar a Meio Tempo na minha Junta, situação que já executo na prática em termos de permanência temporal, uma vez que só estou na Escola nos períodos da manhã e vou para a Junta à tarde.”

 

II - Análise:

 

A possibilidade de acumulação das funções de presidente da junta de freguesia com as funções de adjunto do diretor do agrupamento de escolas, conforme descrito, implica ter que abordar dois regimes jurídicos: de um lado, as funções previstas no regime de administração e gestão dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, do outro lado, o estatuto dos eleitos locais, porque se trata do exercício de funções autárquicas.

 

  1. Sobre as funções de adjunto do diretor:

 

A administração e gestão dos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas da rede pública é assegurada por órgãos próprios, de acordo com o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 2 de abril (versão atualizada)[1]:

 

O diretor é o órgão de administração e gestão do agrupamento de escolas ou escola não agrupada nas áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patrimonial (alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º e artigo 18.º).

 

No exercício das suas funções o diretor é coadjuvado por um subdiretor e por um a três adjuntos, em função da dimensão dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e da complexidade e diversidade da sua oferta educativa (artigo 19.º)[2].

 

Os adjuntos são nomeados pelo diretor de entre os docentes de carreira que contem pelo menos cinco anos de serviço e se encontrem em exercício de funções no agrupamento de escolas ou escola não agrupada (n.º 6 do artigo 26.º).

 

No quadro das suas competências, à exceção das competências que por lei não possam ser delegadas, o diretor pode delegar competências nos adjuntos de modo a assegurar a organização e o funcionamento do agrupamento de escolas (n.º 7 do artigo 20.º).

 

Por sua vez, o conselho administrativo, que é o órgão deliberativo em matéria administrativo-financeira do agrupamento de escolas ou escola não agrupada, integra na sua composição um adjunto, designado pelo diretor para o efeito (artigo 36.º).

 

Os mandatos dos adjuntos têm a duração de quatro anos e cessam com o mandato do diretor (n.º 6 do artigo 25.º).

 

Pelo exercício deste cargo é atribuído um suplemento remuneratório, o qual acresce à remuneração base do respetivo titular, cujo valor é determinado em função do número de alunos em regime diurno e do cargo que se destina a remunerar, cujo valor consta do anexo I ao Decreto-Regulamentar n.º 5/2010, de 24 de dezembro.

 

Tendo em conta que se trata de docentes, os adjuntos estão obrigados à prestação de trinta e cinco horas semanais de serviço, nos termos do artigo 76.º do Estatuto da Carreira Docente[3], cujo horário semanal deverá integrar as componentes letiva e não letiva, em cinco dias de trabalho, e deste modo, o tempo correspondente ao exercício do cargo, que resulta de um crédito de horas específico, calculado de acordo com o número de alunos.

 

O horário semanal daqui resultante, em concreto, deverá registar o tempo de dedicação ao exercício das funções de administração e gestão atribuídas pelo diretor, bem como determinada componente letiva, salvaguardando, deste modo, um mínimo de atividades letivas, de forma a viabilizar a avaliação do desempenho[4].

 

Por último, quanto ao regime do exercício das funções, no caso do subdiretor e dos adjuntos, consagra-se a sua sujeição, além dos deveres específicos inerentes às funções de coadjuvação do diretor, aos deveres gerais dos trabalhadores que exercem funções públicas aplicáveis ao pessoal docente (artigo 29.º).

 

Com base nesta remissão é possível concluir que a abordagem ao regime do exercício das funções deverá ser efetuada de acordo com o Estatuto da Carreira Docente, que, por sua vez, determina no n.º 1 do artigo 10.º, que ao pessoal docente deverá ser aplicado o regime de incompatibilidades previsto para os trabalhadores em funções públicas, salvo no que especificamente for regulado neste Estatuto.

 

Em consequência, o exercício da atividade docente obedece ao princípio da exclusividade, em conformidade com os artigos 19.º e 23.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (redação atualizada), pelo que a acumulação com outras funções assume carácter excecional e carece de autorização prévia para a generalidade dos casos em que é permitida.

 

No caso da carreira docente, a Portaria n.º 814/2005, de 13 de setembro, vem regulamentar o regime de acumulação, a título excecional, de funções e atividades públicas e privadas, previsto no artigo 111.º do Estatuto da Carreira Docente.

 

De acordo com alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º desta Portaria, os docentes que se encontrem na titularidade de cargos de direção executiva ou como membros de comissões instaladoras de escolas ou de agrupamento de escolas, consideram-se impossibilitados de acumulação de funções, à exceção da atividade de formador, nas condições previstas no n.º 2 do mesmo artigo 4.º.

 

Com base no exposto, o exercício das funções públicas dos docentes que exerçam as funções de subdiretor ou adjunto é norteado pelo princípio da exclusividade, em conformidade com o regime de incompatibilidades e impedimentos consagrado para os trabalhadores com vínculo de trabalho em funções públicas.

 

Sobre as condições do exercício destes cargos, pronunciou-se o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, Parecer n.º 26/2016, homologado por Despacho de 13 de fevereiro de 2017, de Sua Ex.ª a Secretária de Estado Adjunta e da Educação, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 22 de março de 2017, tendo concluído que existe incompatibilidade entre o exercício das funções de diretor ou membro da direção de agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas (subdiretor e adjuntos) e o exercício de funções autárquicas em regime de permanência (presidente de câmara e vereador de câmara ou membro de junta de freguesia a tempo inteiro ou a meio tempo).

 

  1. Sobre o exercício do mandato de presidente da junta de freguesia a meio tempo:

 

O exercício do mandato a meio tempo dos titulares das juntas de freguesia foi recentemente alterado, por via da redação introduzida ao artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro[5], pela Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro[6].

 

Na sequência desta alteração, passou a ser possível, em todas as freguesias, o presidente da junta exercer o mandato em regime de meio tempo, suportado pelo Orçamento do Estado (cf. n.º 1 do artigo 27.º)[7].

 

E, igualmente, a estar previsto o valor base da remuneração do presidente da junta de freguesia em regime de meio tempo, fixado em metade de cada escalão estabelecido para a remuneração do presidente da junta de freguesia em regime de permanência (tempo inteiro)[8].

 

Por sua vez, a Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2023, procedeu à alteração do n.º 3 do artigo 2.º do Estatuto dos Eleitos Locais.

 

Em resultado desta alteração, o exercício de funções a meio tempo por membros das juntas de freguesia pode ser acumulado com o exercício de funções públicas ou privadas, remuneradas ou não, mediante comunicação escrita do eleito local à entidade empregadora.

 

Sob este ângulo, o mandato de presidente da junta de freguesia poderá ser exercido, por opção da freguesia, a meio tempo, em acumulação com o exercício de funções públicas ou privadas.

 

Porém, a questão a resolver, em concreto, coloca-se sob o outro ângulo, por força do regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 2 de abril (versão atualizada), conforme já identificado.

 

  1. nesse quadro legal, considerando as condições inerentes ao exercício dos cargos previstos neste regime, mostra-se consagrada na lei que regula tais funções a incompatibilidade para o exercício de outros cargos ou atividades profissionais[9].

 

Até porque, sobre o exercício de funções autárquicas em regime de permanência, a tempo inteiro ou a meio tempo, em acumulação com os cargos previstos no regime de administração e gestão das escolas, deverá valer como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, sobre as matérias que se destinam a esclarecer[10], a posição adotada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no Parecer n.º 26/2016.

 

E assim, por economia de texto, remete-se para este Parecer, destacando-se as seguintes conclusões:

 

Existe incompatibilidade entre o exercício de funções de diretor, de subdiretor e de adjunto de diretor de agrupamento de escolas ou de escolas não agrupadas no caso do exercício de funções autárquicas em regime de permanência (presidente de câmara e vereador de câmara ou membro de junta de freguesia a tempo inteiro ou a meio tempo).

 

Um diretor, subdiretor ou adjunto que venha a exercer funções autárquicas em regime de não permanência será dispensado das suas funções profissionais nas condições previstas no Estatuto dos Eleitos Locais (artigo 2.º, n.º 4).

 

III – Em conclusão:

 

Com referência à interpretação que foi realizada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no Parecer n.º 26/2016, homologado por Despacho de 13 de fevereiro de 2017, de Sua Ex.ª a Secretária de Estado Adjunta e da Educação, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 22 de março de 2017, em resposta à acumulação dos cargos em análise, conclui-se:

 

O exercício das funções de adjunto do diretor do agrupamento de escolas ou escola não agrupada é incompatível com o exercício das funções de presidente da junta de freguesia a meio tempo;

 

No entanto, poderá exercer as funções de presidente da junta de freguesia em regime de não permanência, sendo dispensado das suas funções profissionais nas condições legais.

 

À consideração superior,

 

[1] Deverá ser consultada a versão republicada pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho.

[2] Cujos critérios constam do Despacho Normativo n.º 10-B/2018, n.º 129, de 6 de julho de 2018.

[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de abril (versão consolidada).

[4] No caso de observação de aulas obrigatória, em conformidade com os requisitos exigidos para progressão, cf. o artigo 37.º, n.º 3, al. a) do Estatuto da Carreira e o artigo 18.º do Decreto-Regulamentar n.º 26/2021, de 21 de fevereiro (sistema de avaliação do desempenho do pessoal docente).

 

[5] Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias.

  1. A Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro, entrou em vigor no dia 21 de outubro, mas produz os seus efeitos no dia 1 de janeiro de 2022, cf. n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º.

[7] Anteriormente, só era permitido nas freguesias com o mínimo de 5000 e o máximo de 10 000 eleitores ou nas freguesias com mais de 3500 eleitores e de 50 km2 de área.

 

[8] Nas alíneas do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 11/96, de 18 de abril (versão atualizada), que estabelece o regime aplicável ao exercício do mandato dos membros das juntas de freguesia.

[9] Neste sentido o disposto no n.º 2 do artigo 3.º do Estatuto dos Eleitos Locais.

[10] Cf. o artigo 50.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto (versão atualizada),

 

Data de Entrada
Número do Parecer
2023/011