Alteração do posicionamento remuneratório dos trabalhadores em regime de cedência de interesse público nas empresas municipais

Sobre o assunto em epígrafe deu entrada nesta CCDR Algarve um pedido de parecer jurídico subscrito pela Câmara de Municipal de ….. através do ofício n.º 3084 com a referência Proc. n.º 2021/100.20.001/2, de 14.05.2021 que mereceu o registo de entrada nestes serviços E04004-202105 de 25.05.2021.

Vem referido, naquele ofício, que no intuito de não prejudicar o direito à carreira dos trabalhadores do Município de ….. que se encontram em regime de cedência de interesse público nas empresas municipais, é solicitado esclarecimento quanto à alteração de posicionamento remuneratório decorrente da aplicação do SIADAP.

I

Considerações prévias

Desde logo e no que tange à figura e regime da cedência de interesse público importa dar nota que, com a publicação da Lei n.º 12-A/2008 (LVCR), o seu artigo 102.º, n.º 1, determinou que os trabalhadores que, até à data da sua entrada em vigor (31 de dezembro de 2008), se encontravam em situação de mobilidade para, ou de entidade excluída do âmbito de aplicação objetivo daquela lei transitavam automaticamente para a situação jurídico-funcional de cedência de interesse público.

Ora, conforme expõe o n.º 1 do art.º 58.º da Lei n.º 12-A/2008, a “cedência de interesse público” constitui um mecanismo de mobilidade geral externa permitindo “que alguém que seja trabalhador de uma entidade pública abrangida na previsão do artigo 3.º passe a exercer funções numa qualquer entidade privada ou numa entidade pública que não seja abrangida na previsão daquela norma, da mesma forma que quem seja trabalhador de alguma destas entidades pode passar a exercer funções numa entidade pública abrangida pelo âmbito objetivo do presente diploma.”

O n.º 2 do artigo em análise prevê que, através da adoção desta modalidade, se suspenda o estatuto de funcionário público, mas não determina a suspensão do vínculo de emprego público do trabalhador.

Note-se que o regime de mobilidade de trabalhadores até 31.12.2008 em vigor, dos municípios para as empresas municipais, era corporizado através do mecanismo da requisição, desde pelo menos 1995, conforme aliás decorre do disposto no artigo 10.º do Decreto-lei n.º 147/95 de 21 de junho, que determinava: “ Os funcionários das autarquias locais podem ser autorizados a exercer quaisquer cargos ou funções, em regime de requisição, nas empresas concessionárias dos sistemas referidos no n.º 1 do artigo 4.º”.

A Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (doravante LGTFP), revogou a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que havia definido e regulado os regimes de vinculação, carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (art.º 42.º da LGTFP), e entrou em vigor no dia 01.08.2014 (art.º 44.º da LGTFP). Resulta do artigo 241.º, n.º 1, da LGTFP, “que mediante acordo de cedência de interesse público entre empregador público e empregador fora do âmbito de aplicação da presente lei pode ser disponibilizado trabalhador para prestar a sua atividade subordinada, com manutenção do vínculo inicial”. Ora, nos termos da norma chamada à colação, no seu n.º 3, a “cedência de interesse público determina para o trabalhador em funções públicas a suspensão do respetivo vínculo, salvo disposição legal em contrário”. Resulta do n.º 1 do art.º 242.º que “o trabalhador cedido fica sujeito ao regime jurídico aplicável ao empregador cessionário e ao disposto no presente artigo, salvo quando não tenha havido suspensão do vínculo, caso em que a situação é regulada pelo regime jurídico de origem, incluindo em matéria de remuneração”.

Ora, tomando as palavras de Cláudia Sofia Henriques Nunes (in o Contrato de Trabalho em Funções Públicas, face à Lei Geral do Trabalho, Coimbra Editora, pg. 348):
“nos termos do n.º 3 do artigo 241.º da LGTFP, a cedência de interesse público determina para o trabalhador em funções públicas a suspensão do respetivo vínculo, salvo disposição em contrário. Deste preceito decorre, assim, uma profunda alteração do regime anteriormente vigente, na medida em que impõe para os trabalhadores em funções públicas, salvo disposição legal em contrário, a suspensão do respetivo vínculo de emprego público.

Ora, o regime previsto no artigo 58.º da LVCR era bastante mais flexível, na medida em que estipulava que a cedência, independentemente da natureza cessionária, apenas implicaria a suspensão não do vínculo, mas sim do estatuto de origem, regra esta de natureza supletiva, que poderia ser afastada por acordo das partes”.

 

II

A cedência de interesse público e aplicação do SIADAP

Sobre esta matéria a CCDR Algarve já teve oportunidade de se pronunciar por duas ocasiões, através das informações I01796-202007-INF-AUT e I02914-202012-INF-AUT de, respetivamente, 22.07.2020 e 03.12.2020, pelo que, por economia, se passa a transcrever:

“Atento o pedido formulado, no que concerne à figura de cedência de interesse público, há que analisar o regime jurídico que lhe é aplicável, no que diz respeito à relação jurídica de emprego público, avaliação do desempenho e repercussões no âmbito do descongelamento das carreiras da Administração Publica.

No atinente ao vínculo/relação jurídica de emprego público estabelece o n.º 1 do artigo 154.º da LTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na atual versão, no referente à opção pela remuneração base, que: “Quando o vínculo de emprego público se constitua por comissão de serviço, ou haja lugar a cedência de interesse público, o trabalhador tem direito de optar, a todo o tempo, pela remuneração base devida na situação jurídico-funcional de origem que esteja constituída por tempo indeterminado.”

Nesta vertente, as regras gerais e o regime jurídico da cedência de interesse público encontram-se inscritos nos artigos 241.º e 242.º da LTFP, salientando-se o n.º 3 do artigo 241.º, onde se estipula que a cedência de interesse público determina para o trabalhador em funções públicas a suspensão do respetivo vínculo, salvo disposição legal em contrário e a alínea a) do n.º 3 do artigo 242.º, onde se refere que o trabalhador cedido tem direito à contagem, na categoria de origem, do tempo de serviço prestado em regime de cedência.

Sobre a matéria, a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) na página “FAQ´S – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas”, na FAQ VIII – Cedência de Interesse Público – 2.A. (Atualizado em: 17/07/2019), expressa o seguinte entendimento:

“Na situação de cedência de interesse público o trabalhador mantém o direito ao desenvolvimento da sua carreira de origem?

Sim. Apesar de o vínculo de emprego público se encontrar suspenso, o trabalhador, porque se encontra numa situação de cedência fundada em razões de interesse público, não pode ser prejudicado na sua situação de origem, e o n.º 3 do artigo 242.º da LTFP, reconhece-lhe o direito à relevância, na categoria de origem, do tempo de serviço prestado em regime de cedência.”

Quanto às disposições legais aplicáveis no âmbito da avaliação do desempenho referentes a trabalhadores que se encontrem na situação de cedência de interesse público, transcreve-se o vertido nos artigos 42.º e 43.º da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro (SIADAP – Adaptado à Administração Autárquica pelo Decreto Regulamentar n.º 18/2009, de 4 de setembro), na sua atual versão, do seguinte teor:

 

“Artigo 42.º
Requisitos funcionais para avaliação

 

1 - No caso de trabalhador que, no ano civil anterior ao da realização do ciclo avaliativo, tenha constituído relação jurídica de emprego público há menos de seis meses, o desempenho relativo a este período é objeto de avaliação conjunta com o do ciclo seguinte.

2 - No caso de trabalhador que, no biénio anterior, tenha relação jurídica de emprego público com, pelo menos, um ano e o correspondente serviço efetivo, independentemente do serviço onde o tenha prestado, o desempenho é objeto de avaliação nos termos do presente título.

3 - O serviço efetivo deve ser prestado em contacto funcional com o respectivo avaliador ou em situação funcional que, apesar de não ter permitido contacto direto pelo período temporal referido no número anterior, admita, por decisão favorável do Conselho Coordenador da Avaliação, a realização de avaliação.

4 - No caso previsto no n.º 2, se no decorrer do biénio anterior e ou período temporal de prestação de serviço efetivo se sucederem vários avaliadores, o que tiver competência para avaliar no momento da realização da avaliação deve recolher dos demais os contributos escritos adequados a uma efetiva e justa avaliação.

5 - No caso de quem, no biénio anterior, tenha relação jurídica de emprego público com pelo menos um ano, mas não tenha o correspondente serviço efetivo conforme definido na presente lei ou, estando na situação prevista no n.º 3, não tenha obtido decisão favorável do Conselho Coordenador da Avaliação, não é realizada avaliação nos termos do presente título.

6 - No caso previsto no número anterior releva, para efeitos da respetiva carreira, a última avaliação atribuída nos termos da presente lei ou das suas adaptações, não incidindo sobre os trabalhadores abrangidos por esta medida as percentagens previstas no n.º 1 do artigo 75.º

7 - Se no caso previsto no n.º 5 o titular da relação jurídica de emprego público não tiver avaliação que releve nos termos do número anterior ou se pretender a sua alteração, requer avaliação, mediante proposta de avaliador especificamente nomeado pelo dirigente máximo do serviço.

Artigo 43.º

Ponderação Curricular

1 - A avaliação prevista no n.º 7 do artigo anterior traduz-se na ponderação do currículo do titular da relação jurídica de emprego público, em que são considerados, entre outros, os seguintes elementos:

a) As habilitações académicas e profissionais;

b) A experiência profissional e a valorização curricular;

c) O exercício de cargos dirigentes ou outros cargos ou funções de reconhecido interesse público ou relevante interesse social, designadamente atividade de dirigente sindical.

2 - Para efeitos de ponderação curricular, deve ser entregue documentação relevante que permita ao avaliador nomeado fundamentar a proposta de avaliação, podendo juntar-se declaração passada pela entidade onde são ou foram exercidas funções.

3 - A ponderação curricular é expressa através de uma valoração que respeite a escala de avaliação qualitativa e quantitativa e as regras relativas à diferenciação de desempenhos previstas na presente lei.

4 - A ponderação curricular e a respetiva valoração são determinadas segundo critérios previamente fixados pelo Conselho Coordenador da Avaliação, constantes em ata, que é tornada pública, que asseguram a ponderação equilibrada dos elementos curriculares previstos no n.º 1 e a consideração de reconhecido interesse público ou relevante interesse social do exercício dos cargos e funções nele referidas.

5 - Os critérios referidos no número anterior podem ser estabelecidos uniformemente para todos os serviços por despacho normativo do membro do Governo responsável pela Administração Pública.”

 

 

 
 
 
 
 

Nesta matéria, nas “FAQ´S – SIADAP Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro”, a DGAEP na FAQ X – Ausência de avaliação – 2.A. (Atualizado em: 17/07/2019), pronunciou-se conforme segue:

O disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 42.º do SIADAP é aplicável aos trabalhadores em regime de cedência de interesse público?

Sim.

Sendo o trabalhador possuidor de um vínculo de emprego público com pelo menos um ano e de uma avaliação atribuída nos termos do SIADAP 3 ou das suas adaptações, pode essa avaliação relevar para efeitos da respetiva carreira, nos termos do n.º 6 do artigo 42.º do SIADAP.

Caso o trabalhador tenha o respetivo vínculo de emprego público, mas não tenha avaliação que releve, nos termos do n.º 6 do artigo 42.º da lei do SIADAP, ou se a pretender alterar pode requerer a sua avaliação através de ponderação curricular, nos termos das disposições conjugadas do n.º 7 do artigo 42.º e do artigo 43.º.”

No referente ao descongelamento das carreiras da Administração Pública iniciado em 1 de janeiro de 2018 e a sua incidência relativamente aos trabalhadores na situação de cedência de interesse público, assinale-se, desde logo, a pronúncia da DGAEP na página sobre “Perguntas Frequentes sobre o processo de Descongelamento de carreiras”, no ponto 5. (Atualizado em: 17/07/2019), que se transcreve:

“Os trabalhadores em cedência de interesse público com o vínculo suspenso são abrangidos pelo descongelamento?

Sim. Apesar de o vínculo de emprego público se encontrar suspenso, estes trabalhadores, porque se encontram numa situação de cedência fundada em razões de interesse público não podem ser prejudicados na sua situação de origem. Se, relativamente ao período de cedência, o trabalhador não tiver avaliação de desempenho que possa fazer relevar, e não tiver solicitado avaliação por ponderação curricular, devem ser-lhe aplicadas as regras de suprimento previstas no artigo 18° da LOE 2018, para efeitos de eventual valorização remuneratória.”

Registe-se, para o que interessa, que, de acordo com o previsto no artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (LOE 2018), que no âmbito do descongelamento das carreiras da Administração Pública vem permitir alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, se estabelece que quando o trabalhador tenha acumulado até 31 de dezembro de 2017 mais do que os pontos legalmente exigidos para as mencionadas alterações, os pontos em excesso relevam para efeitos de futura alteração do seu posicionamento remuneratório.

Sequencialmente, o artigo 16.º da lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (LOE 2019), prescreve que são permitidas alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório relevando, para o efeito, os pontos ainda não utilizados que o trabalhador tenha acumulado durante o período de proibição de valorizações remuneratórias, sendo também permitidas alterações gestionárias de posicionamento remuneratório, nos termos do artigo 158.º da LTFP.

Sobre a matéria a DGAEP em “FAQ´S – LOE 2019, na parte referente a “Valorizações remuneratórias” (Atualizado em: 14/02/2019) dispõe o seguinte:

1. Como se apuram os pontos detidos pelos trabalhadores para alteração obrigatória de posicionamento remuneratório nos termos do n.º 7 do artigo 156.º da LTFP?

O número de pontos detido pelos trabalhadores é o resultante da soma dos pontos apurados em 2018, e não utilizados para alteração de posicionamento remuneratório nesse ano, com os pontos correspondentes à avaliação de desempenho obtida no biénio de 2017/2018.

2. Um trabalhador que tenha tido alteração obrigatória de posicionamento remuneratório em 2018, pode ter nova alteração de posicionamento remuneratório em 2019?

Sim, se a soma dos pontos não utilizados na alteração de posicionamento remuneratório de 2018 (pontos sobrantes) com os pontos correspondentes à avaliação do biénio 2017/2018 totalizar 10 pontos, ou se reunir o número de menções qualitativas exigidas para alteração gestionária, neste caso sujeita à dotação orçamental prevista para o respetivo universo.”

Sublinhe-se que as pronúncias da DGAEP supra aludidas, consubstanciam a expressão do seu entendimento em vigor, que acompanhamos, não podendo, pois, ser objeto de validação, anteriores formulações sobre as mesmas matérias proferidas pela entidade em apreço que possam colocar em crise a atual posição.”

Assim, nesta conformidade, julgamos respondidas as questões colocados em assunto.

À consideração superior,

O Técnico Superior

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/011