Direito a abono para falhas - Polícia Municipal

I – Enquadramento

Foi solicitado pela Câmara Municipal de ….. enquadramento jurídico sobre a possibilidade de recebimento de abono para falhas por parte dos agentes da polícia municipal aquando do exercício de funções.

 

II – Análise

Com vista à análise da questão em apreço, importa chamar à colação o disposto nos seguintes diplomas:

  • Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, na sua redação atual, que estabelece condições de processamento uniforme do abono para falhas aos funcionários e agentes da Administração (artigos 1.º e 2.º);
  • Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, na sua redação atual e que define o regime e forma de criação das polícias municipais (artigos 1.º a 4.º);
  • Decreto-Lei n.º 239/2009, de 16 de setembro que estabelece os direitos e os deveres dos agentes de polícia municipal, assim como as condições e o modo de exercício das respetivas funções (artigo 1.º);
  • Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/2019, de 27 de maio, pela qual o Governo ratificou a deliberação da Assembleia Municipal de ….., que aprovou a criação e instituição do Corpo de Polícia Municipal de ….., criando o seu Regulamento de organização e funcionamento (artigos 5.º e 6.º);

 

Conforme disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 4/89, de 6 de janeiro, na sua redação atual, o diploma é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado, bem como, com as adaptações respeitantes às competências dos correspondentes órgãos das autarquias locais, aos serviços das administrações autárquicas.

Aduz-se no artigo 2.º que têm direito a um suplemento remuneratório designado abono para falhas os trabalhadores que manuseiem ou tenham à sua guarda, nas áreas de tesouraria ou cobrança, valores, numerário, títulos ou documentos, sendo por eles responsáveis (n.º 1).

De acordo com o n.º 2, as carreiras ou categorias, bem como os trabalhadores que, em cada departamento ministerial, têm direito a abono para falhas, são determinadas por despacho conjunto do respetivo membro do Governo e dos responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública.

Prevê a Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, na sua redação atual, no seu artigo 1.º, que as polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com as competências, poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos nesse diploma legal.

Dispõe o artigo 2.º que no exercício de funções de polícia administrativa, é atribuição prioritária dos municípios fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos.

Nos termos do artigo 3.º são elencadas as funções de polícia que se transcrevem para melhor análise:

  • Fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais;
  • Fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou de fiscalização caiba ao município;
  • Aplicação efetiva das decisões das autoridades municipais;
  • Vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, designadamente de áreas circundantes de escolas, em coordenação com as forças de segurança; 
  • Vigilância nos transportes urbanos locais, em coordenação com as forças de segurança;
    c) Intervenção em programas destinados à ação das polícias junto das escolas ou de grupos específicos de cidadãos;
  • Guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais, ou outros temporariamente à sua responsabilidade;
  • Regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.

O artigo 4.º enuncia as suas competências, conforme infra:

  • Fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e da aplicação das normas legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e proteção da natureza e do ambiente, do património cultural e dos recursos cinegéticos;
  • Fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal;
  • Execução coerciva, nos termos da lei, dos atos administrativos das autoridades municipais;
  • Adoção das providências organizativas apropriadas aquando da realização de eventos na via pública que impliquem restrições à circulação, em coordenação com as forças de segurança competentes, quando necessário;
  • Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal;
  • Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente;
  • Elaboração dos autos de notícia, autos de contraordenação ou transgressão por infrações às normas referidas no artigo 3.º;
  • Elaboração dos autos de notícia, com remessa à autoridade competente, por infrações cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita;
  • Instrução dos processos de contraordenação e de transgressão da respetiva competência;
  • Ações de polícia ambiental;
  • Ações de polícia mortuária;
  • Garantia do cumprimento das leis e regulamentos que envolvam competências municipais de fiscalização.

Pelo supra exposto, não se vislumbra norma legal que habilite à atribuição de abono para falhas, porquanto não estão verificados os necessários requisitos legais. Ora, atento o princípio da legalidade, nos termos do n.º 1 do art.º 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) os Órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.

Do Decreto-Lei n.º 239/2009, de 16 de setembro, na sua redação atual, que estabelece os direitos e os deveres dos agentes de polícia municipal, assim como as condições e o modo de exercício das respetivas funções também não nos é possível assacar norma legal da qual possa decorrer a necessidade de atribuição de abono para falhas.

Se atentarmos, mormente, nos artigos 5.º e 6.º, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/2019, de 27 de maio, pela qual o Governo ratificou a deliberação da Assembleia Municipal de ….., que aprovou a criação e instituição do Corpo de Polícia Municipal de ….., criando o seu Regulamento de organização e funcionamento, também não vislumbramos qualquer preceito legal que importe a atribuição do referido abono para falhas.

Do ponto de vista jurisprudencial, e com relevância para a análise sub judice, atente-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte proferido no âmbito do Processo n.º 02456/15.8BEPRT7, de 16/02/2018, cujo sumário se transcreve pela sua pertinência:

  1. O abono para falhas é um suplemento remuneratório atribuído em função do manuseamento funcional de dinheiro, destinando-se a compensar os trabalhadores da Administração Pública pelos riscos inerentes a tal manuseamento;
  2. O direito ao abono para falhas pressupõe que o trabalhador ocupe posto de trabalho no âmbito do qual predominantemente manuseie dinheiro e que essas funções se mostrem descritas no seu conteúdo funcional e correspondente mapa de pessoal. O abono para falhas tem caráter excecional, pressupondo, pois, uma atividade funcional predominante relacionada com o manuseamento de dinheiro (sublinhado nosso);
  3. Não integrando o conteúdo funcional dos Polícias Municipais a necessidade de manuseamento de dinheiro como atividade predominante, não têm os mesmos direito ao referido abono para falhas (…).

Do aresto resulta igualmente que:

“(…) o direito ao abono para falhas decorre diretamente da lei, sem necessidade de apreciação discricionária por parte da Administração Autárquica, uma vez que a sua atribuição só dependia de o funcionário (que não pertencesse à carreira de tesoureiro) estar integrado em carreira cujo conteúdo funcional implicasse o manuseamento de dinheiro (…);

(…) o abono para falhas não é de atribuição genérica a todo e qualquer trabalhador que eventualmente manuseia numerário (…)

Relevante é que esse manuseamento faça parte do núcleo das funções exercidas pelos trabalhadores, atenta a carreira em que se integram (sublinhado nosso).

E julgamos que tal não sucede com os representados do A., os quais integram a carreira de Polícia Municipal (…).

Ora, da descrição do conteúdo funcional da carreira em que os representados do A. se encontram inseridos, enquanto agentes da polícia municipal, não decorre que os mesmos exerçam funções que impliquem, em si mesmas e isoladamente consideradas, manuseamento de dinheiro.

Mesmo admitindo que os representados possam ver-se na situação de terem, em casos concretos e determinados, de manusear e guardar dinheiro e outros valores, tal assumiria uma natureza totalmente secundária e lateral em face das caraterísticas essenciais dessas funções (sublinhado nosso).

(…) para que lhes seja reconhecido o direito de abono (…) direito esse que não resulta do mero manuseamento ou guarda de dinheiros públicos, pois o que efetivamente importa é que esse manuseamento de numerário, assuma um papel principal, preponderante, na descrição do conteúdo funcional da sua carreira, o que não sucede.”

Mais importa aduzir que, nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, das deliberações dos órgãos municipais que instituem a polícia municipal devem constar, de forma expressa (sublinhado nosso), a enumeração das respetivas competências, pelo que não nos parece procedente a argumentação segundo a qual se possa inferir de normas previstas, mormente, no Código da Estrada, justificação bastante que sustente a atribuição de abono para falhas aos agentes da Polícia Municipal.

 

III - Conclusão

Em suma, atentos os fundamentos de facto e de direito exarados na informação da consulente e a apreciação constante da presente informação, é nosso entendimento que as funções primaciais, legalmente expressas, dos agentes da Polícia Municipal não se subsumem na previsão legal que reconhece o direito a abono por falhas.

Termos em que, não se nos afigura a existência de direito a abono para falhas aos agentes da polícia municipal.

À consideração superior,

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/018