Lei n.º 52/2019 - Esclarecimento quanto à publicitação em página própria das declarações únicas de rendimentos, património e interesses

Deu entrada nesta CCDR Algarve, email datado de 30.11.2021 da Junta de Freguesia de …, e que mereceu o registo de entrada nestes serviços E08783-202111-AUT de 30.11.2021 sobre o assunto em epígrafe.

É solicitado a esta CCDR Algarve, esclarecimento quanto à obrigatoriedade da Junta de Freguesia assegurar a publicitação em página própria das declarações únicas de rendimentos, património e interesses referidas no n.º 1 do artigo 13.º e n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 52/2019, face ao disposto no n.º 4 do artigo 17.º desta Lei.

Por se reputar de verdadeiro interesse para o enquadramento e resposta à matéria alvo do pedido de esclarecimento, passamos a transcrever extratos de informação emanada pelo Tribunal Constitucional[1] sobre o assunto.

1 – A Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, aprovou o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos impondo-lhes obrigações declarativas e estipulou o respetivo regime sancionatório.

Com efeito, esta Lei veio instituir “um novo regime unificado de exercício de funções pelos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (artigo 1.º), tendo revogado os regimes anteriores (artigo 24.º), constantes da Lei n.º 4/83, de abril (controlo público da riqueza) e da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto (incompatibilidades e impedimentos).

No que diz respeito aos deveres declarativos a que os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos se encontram adstritos, foram várias e importantes as novidades introduzidas pela Lei n.º 52/2019. De salientar a reunião das anteriores declarações de património, rendimentos e cargos sociais (Lei n.º 4/83) e de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos (Lei n.º 64/93) numa única “Declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos” (artigo 13.º).

Esta declaração única já não deverá ser apresentada no Tribunal Constitucional ou na Procuradoria-Geral da República, conforme os casos, mas sim, e por via eletrónica, junto da Entidade para a Transparência (artigo 13.º, n.º 1, em conjugação com o disposto no artigo 20.º e na Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13 de setembro). A esta entidade cabe, inter alia, a análise e fiscalização das declarações (artigo 20.º).

A Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13 de setembro, além de ter criado a Entidade para a Transparência, procedeu à nona alteração à Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC). Visou-se adaptar este diploma ao regime instituído pela Lei n.º 52/2019 e, sobretudo, às novas competências da Entidade para a Transparência. Em conformidade, a LTC deixou de conter qualquer referência ao processo de oposição à divulgação do conteúdo das declarações de património, rendimentos e cargos sociais, que anteriormente corria os seus termos no Tribunal Constitucional e era regulado no artigo 107.º da LTC. Nos termos do artigo 17.º, n.ºs 8 e 9, da Lei n.º 52/2019, tais pedidos são apreciados pela “entidade responsável pela análise e fiscalização das declarações apresentadas” – a Entidade para a Transparência (artigo 20.º e Lei orgânica n.º 4/2019).

2. Não é apenas no plano institucional, porém, que o regime de acesso e publicidade ao conteúdo das declarações únicas difere substancialmente do anteriormente previsto, na LTC e na Lei n.º 4/83, para as declarações de património, rendimentos e cargos sociais (e que, nos casos em que a analogia das situações o justificasse, se aplicava também às declarações de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos). Nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 4/83, era livre a divulgação de todo o conteúdo da declaração. A única restrição prevista era a faculdade de o declarante se opor a tal divulgação (tanto parcial como integral).

No regime de acesso e publicidade previsto no artigo 17.º da Lei n.º 52/2019 não é assim.

Diversos elementos da declaração não são de divulgação pública, independentemente de o declarante efetuar ou não um pedido nesse sentido. Desde logo, o n.º 2 determina que não são objeto de consulta ou acesso público «[d]ados pessoais sensíveis como a morada, números de identificação civil e fiscal, números de telemóvel e telefone, e endereço eletrónico»[alínea a)]; «[n]o que respeita ao registo de interesse: a discriminação dos serviços prestados no exercício de atividades sujeitas a sigilo profissional» [alínea b)]; e, finalmente, «[d]ados que permitam a identificação individualizada da residência, exceto do município de localização, ou de viaturas e de outros meios de transporte do titular do cargo»[alínea c].

Por sua vez, o n.º 3, relativo aos dados sobre rendimentos e património, contém diversos limites respeitantes à informação disponibilizada ao público. A alínea e), por exemplo, dispõe que «[r]elativamente a carteiras de títulos, contas bancárias a prazo e aplicações financeiras equivalentes, bem como a contas bancárias à ordem e direitos de crédito de valor superior a 50 salários mínimos, apenas é disponibilizado para consulta o valor total de cada um desses ativos».

Em qualquer caso, como se viu, continua a atribuir-se ao declarante a faculdade de se opor à divulgação do conteúdo da declaração que não se encontra já excluída pelas disposições referidas – ainda que apenas no que respeita aos campos do rendimento e do património. Neste sentido, o n.º 8 estabelece que, «[c]om fundamento em motivo atendível, designadamente interesses de terceiros ou salvaguarda da reserva da vida privada, o titular do cargo pode opor-se ao acesso parcelar ou integral aos elementos constantes da declaração de rendimento e património, competindo à entidade responsável pela análise e fiscalização das declarações apresentadas apreciar a existência ou não do aludido motivo, bem como a possibilidade e dos termos do referido acesso».

Segundo o n.º 4, «[o]s campos da declaração relativos ao registo de interesses são publicados nas páginas eletrónicas da entidade responsável pela análise e fiscalização das declarações apresentadas e da entidade de cujos órgãos o declarante seja titular, podendo esta última fazê-lo em página própria ou mediante remissão para o sitio da Internet da primeira, com observância do disposto no n.º 2».

3. O n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 52/2019 dispõe o seguinte: «As obrigações declarativas impostas pela presente lei aplicam-se aos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, e equiparados, que iniciem, renovem ou terminem funções a partir da entrada em vigor da presente lei». Segundo o artigo 26.º a lei entra em vigor no primeiro dia da XIV Legislatura da Assembleia da República. A primeira reunião plenária da Assembleia da República ocorreu no dia 25 de outubro de 2019.

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Enquanto a Entidade para a Transparência não tiver sido instalada e não estiver em funcionamento a plataforma eletrónica para a entrega da declaração única, esta deverá ser entregue, em papel, no Tribunal Constitucional (artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2019, bem como artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Orgânica n.º 4/2019).

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4. O n.º 1 do artigo 5.º da Lei Orgânica n.º 4/2019 determina que, até à instalação da Entidade para a Transparência, as declarações únicas são «escrutinadas nos termos do regime anterior». Está em causa a necessidade de assegurar que medio tempore, as declarações não deixem de ser recebidas, analisadas e fiscalizadas por alguma(s) entidade(s) do Estado. Tendo em conta, além do mais, que várias das normas constantes da Lei n.º 52/2019 estão associadas à criação de uma plataforma informática a gerir pela Entidade para a Transparência, optou-se por, em vez de criar ex novo um regime aplicável em exclusivo ao período transitório, simplesmente aplicar o anterior.

A aplicação do regime anterior apenas se justifica materialmente, por conseguinte, relativamente aos elementos institucionais – em que se preveja a intervenção da Entidade para a Transparência – e procedimentais – associados à plataforma informática – do regime contido na Lei n.º 52/2019. É o caso do procedimento de oposição á divulgação do conteúdo da declaração, que, havendo de correr integralmente os seus termos no Tribunal Constitucional, deverá continuar, no período transitório, a ser regulado pelo artigo 107.º da LTC, na redação da Lei Orgânica n.º 1/2018. Não deixando de se aplicar, em tudo o que extravase do plano estritamente institucional, o disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 17.º da Lei n.º 52/2019.

Também os n.ºs 2 e 3 do artigo 17.º da Lei n.º 52/2019 são imediatamente aplicáveis no período transitório. Desde logo, as normas em questão respeitam ao conteúdo divulgável da declaração, independentemente da entidade responsável para a aplicar ou do procedimento a seguir. Por outro lado, não pode deixar de se ter em conta que a divulgação ao público do conteúdo das declarações únicas constitui uma restrição do direito à reserva da vida privada dos declarantes. Tal restrição tem vindo a ser considerada pelo tribunal constitucional no que se refere às declarações de património, rendimentos e cargos sociais, face às finalidades de transparência subjacentes à Lei n.º 4/83 (cfr., por todos, o Acórdão n.º 470/96). Enquanto restrições de um direito fundamental, porém, importa que tenham o menor alcance possível, face às finalidades que se almeja alcançar. Ora, a Lei n.º 52/2019 veio consagrar um regime de acesso às declarações neste ponto menos restritivo do direito à reserva da vida privada que o anterior. Vários elementos sensíveis, referidos explícita ou implicitamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 17.º da Lei n.º 52/2019, antes divulgáveis, deixaram de ser disponibilizados ao público, dispensando-se uma manifestação de vontade nesse sentido por parte do declarante. Por conseguinte, também no plano material se impõe a aplicação do regime mais recente, menos restritivo do direito fundamental à reserva da vida privada.”

Da transcrição da informação supra, e no que se refere á questão colocada pela Junta de Freguesia parece decorrer que a entidade de cujo órgão o declarante seja titular pode publicitar em página eletrónica própria os campos da declaração relativos ao registo de interesses ou em alternativa mediante remissão para o sítio da Internet da entidade responsável pela análise e fiscalização das declarações apresentadas.

Enquanto a Entidade para a transparência não tiver sido instalada e não estiver em funcionamento a plataforma eletrónica para a entrega da declaração única, esta deverá ser entregue em papel, no Tribunal Constitucional (artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2019, bem como artigo 5.º. n.ºs 1 e 2 da Lei Orgânica n.º 4/2019).

Note-se que, para efeitos das obrigações declarativas previstas na Lei n.º 52/2019 de 31 de julho, no n.º 2 do artigo 2.º, são excecionados os vogais das Juntas de Freguesia com menos de 10 000 eleitores, que se encontrem em regime de não permanência.

É o que sobre o solicitado cumpre informar.

 

[1] Consultável em:

 https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/content/files/legislacao/legis…

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/030