Mandato de eleito para junta de freguesia/funções de docência

A Junta de Freguesia de …, através de email datado de 26.01.2022, que mereceu o registo nestes serviços E00670-202201-AUT, solicitou parecer jurídico sobre as seguintes questões:

1 – O presidente da junta de freguesia tem como atividade profissional a docência, sendo professor com vínculo ao Quadro de Zona Pedagógica do Algarve, não exercendo qualquer cargo de chefia ou direção no seu agrupamento.

Pode o mesmo exercer a sua profissão a tempo inteiro e exercer o mandato em regime de meio tempo na junta de freguesia?

2 – O presidente da junta, no exercício da sua atividade profissional como docente, aufere o vencimento correspondente ao 4.º escalão da carreira, no valor ilíquido de 2006.25€, efetuando os devidos descontos para a segurança social e IRS.

Está obrigado a efetuar descontos para a segurança social e IRS do valor correspondente ao meio tempo exercido na junta de freguesia?

Vejamos.

I

Por imperativo constitucional, a Administração Pública e os seus trabalhadores estão vinculados em exclusivo à prossecução do interesse público, constituindo o n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) – uma reprodução do n.º 1 do artigo 269.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

As funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade, conforme melhor decorre do artigo 20.º da LTFP.

Em matéria de exclusividade e incompatibilidades de funções dos eleitos locais, dispõe o art.º 3.º da Lei n.º 29/87, de 30/06 – diploma que aprovou o Estatuto dos Eleitos Locais (EEL) –, igualmente aplicável aos eleitos para órgãos das juntas de freguesia, por remissão operada pelo art.º 11.º da Lei n.º 11/96, de 18/04, que “os presidente e vereadores de câmaras municipais, mesmo em regime de permanência, podem exercer outras atividades, devendo comunicá-las, quando de exercício continuado, quanto à sua natureza e identificação, ao Tribunal Constitucional e à assembleia municipal, na primeira reunião desta a seguir ao início do mandato ou previamente à entrada em funções nas atividades não autárquicas” (n.º 1), o que não revoga “os regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos noutras leis para o exercício de cargos ou atividades profissionais” (n.º 2).

Resulta, portanto, do n.º 1 do art.º 3.º do EEL que os eleitos locais, mesmo em regime de permanência, podem exercer outras atividades, públicas ou privadas, para além das que exercem como autarcas. O n.º 2 do mesmo preceito exceciona, porém, uma situação em que pode não ser permitida a referida acumulação, isto é, quando as funções a exercer correspondam a cargos ou atividades profissionais relativamente aos quais outras leis estabeleçam regimes de incompatibilidades ou impedimentos de acumulação com as referidas funções autárquicas.

Nos termos do artigo 50.º da CRP., às funções de autarca, corresponde o exercício de um direito político, que não pode ser coartado.

Por isso, importa assim notar, que os eleitos locais não podem ser prejudicados na respetiva colocação ou emprego permanente, por virtude de desempenho dos seus mandatos, e sendo funcionários públicos, se desempenharem funções em regime de tempo inteiro ou de meio tempo consideram-se em comissão extraordinária de serviço público (artigo 22.º do Estatuto dos Eleitos Locais, aplicável às freguesias pelo artigo 11.º da Lei n.º 11/96).

Como modalidade de vínculo de emprego público, a comissão extraordinária de serviço público, caracteriza-se por se constituir, designadamente, nos casos de cargos não inseridos em carreiras e que, no caso dos eleitos locais, tem a duração do respetivo mandato.

O artigo 22.º do EEL desenvolve o mencionado n.º 2 do artigo 50.º da CRP, quanto aos eleitos autárquicos, nos seguintes termos:

“1 - Os eleitos locais não podem ser prejudicados na respectiva colocação ou emprego permanente por virtude do desempenho dos seus mandatos.

2 - Os funcionários e agentes do Estado, de quaisquer pessoas colectivas de direito público e de empresas públicas ou nacionalizadas que exerçam as funções de presidente de câmara municipal ou de vereador em regime de permanência ou de meio tempo consideram-se em comissão extraordinária de serviço público.

3 - Durante o exercício do respectivo mandato não podem os eleitos locais ser prejudicados no que respeita a promoções, concursos, regalias, gratificações, benefícios sociais ou qualquer outro direito adquirido de carácter não pecuniário.

4 - O tempo de serviço prestado nas condições previstas na presente lei é contado como se tivesse sido prestado à entidade empregadora, salvo, no que respeita a remunerações, aquele que seja prestado por presidentes de câmara municipal e vereadores em regime de permanência ou de meio tempo.”

A entidade consulente refere que o presidente da junta de freguesia exerce a docência com vínculo ao Quadro de Zona Pedagógica do Algarve, não exercendo qualquer cargo de chefia ou direção no seu agrupamento, questionando da possibilidade de exercer a docência a tempo inteiro e a presidência da junta a meio tempo.

A resposta a esta questão passa pela análise do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 135-A/90, de 28 de abril, que estabelece o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário, doravante designado por Estatuto.

Determinam os n.ºs 1 e 2 do artigo 76.º deste Estatuto sob a epígrafe “Duração semanal” do trabalho que:

“1 - O pessoal docente em exercício de funções é obrigado à prestação de 35 horas semanais de serviço.

2 - O horário semanal dos docentes integra uma componente lectiva e uma componente não lectiva e desenvolve-se em cinco dias de trabalho.”

Esta é, aliás, regra similar à vertida no artigo 105.º da LTFP que sob a epígrafe “Limites máximos dos períodos normais de trabalho” ao dispôr:

          “1 - O período normal de trabalho é de:

a) Sete horas por dia, exceto no caso de horários flexíveis e no caso de regimes especiais de duração de trabalho;

b) 35 horas por semana, sem prejuízo da existência de regimes de duração semanal inferior previstos em diploma especial e no caso de regimes especiais de duração de trabalho.

2 - O trabalho a tempo completo corresponde ao período normal de trabalho semanal e constitui o regime regra de trabalho dos trabalhadores integrados nas carreiras gerais, correspondendo-lhe as remunerações base mensais legalmente previstas.

3 - A redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho pode ser estabelecida por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, não podendo daí resultar para os trabalhadores a redução do nível remuneratório ou qualquer alteração desfavorável das condições de trabalho.”

O regime de meio tempo a que se reportam as funções dos autarcas implica o exercício do respetivo cargo correspondente a metade do período normal de trabalho constante nos dois números anteriores do artigo 105.º, ou seja, o equivalente a serviço efetivo de 3,5h/dia e 17,5h/semana.

Ora, estando consignado nos números 1 e 2 do artigo 76.º do Estatuto a obrigatoriedade da prestação de 35 horas semanais, a estas não poderão ser acrescidas as 17,5 horas correspondentes ao exercício do cargo de presidente de junta no regime de meio tempo por exceder o limite legalmente permitido.

Daqui não ser possível cumulativamente exercer a docência a tempo inteiro e o exercício do cargo de presidente de junta a meio tempo.

O mesmo se não diga se se optar pelo exercício da docência a tempo parcial (a que se reporta o artigo 85.º do Estatuto) equivalente a metade do tempo inteiro, a que acresce o outro meio tempo, correspondente ao exercício do cargo de autarca em regime de meio tempo.

II

Relativamente à segunda questão dir-se-á o seguinte:

O artigo 5.º da Lei n.º 29/87, de 30 de junho (EEL), na sua atual redação, sob a epígrafe “Direitos” relativos aos eleitos locais determina o seguinte:

“1 - Os eleitos locais têm direito:

a) A uma remuneração ou compensação mensal e a despesas de representação;

b) A dois subsídios extraordinários anuais;

c) A senhas de presença;

d) A ajudas de custo e subsídio de transporte;

e) À segurança social;

f) A férias;

g) A livre circulação em lugares públicos de acesso condicionado, quando em exercício das respectivas funções;

h) A passaporte especial, quando em representação da autarquia;

i) A cartão especial de identificação;

j) A viatura municipal, quando em serviço da autarquia;

l) A protecção em caso de acidente;

m) A solicitar o auxílio de quaisquer autoridades, sempre que o exijam os interesses da respectiva autarquia local;

n) À protecção conferida pela lei penal aos titulares de cargos públicos;

o) A apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respectivas funções;

p) A uso e porte de arma de defesa;

q) Ao exercício de todos os direitos previstos na legislação sobre protecção à maternidade e à paternidade.

r) A subsídio de refeição, a abonar nos termos e quantitativos fixados para a Administração Pública.

2 - Os direitos referidos nas alíneas a), b), f), p), q) e r) do número anterior apenas são concedidos aos eleitos em regime de permanência.

3 - O direito referido na alínea e) do n.º 1 apenas é concedido aos eleitos em regime de permanência ou em regime de meio tempo.

4 - O direito referido na alínea h) do n.º 1 é exclusivo dos presidentes das câmaras municipais e dos seus substitutos legais.” – sublinhado nosso.

Resulta, assim, da alínea e) do n.º 1 e n.º 3 que quer os eleitos em regime de permanência quer em regime de meio tempo têm direito à segurança social.

Este é, aliás, também o regime que decorre da letra do artigo 13.º quando, sob a epígrafe “Segurança social”, determina que:

“Aos eleitos locais em regime de permanência é aplicável o regime geral de segurança social.”

No EEL não consta qualquer norma que disponha quanto à possibilidade de um eleito local que exerça o mandato em regime de meio tempo poder optar por se eximir a efetuar os correspondentes descontos para a segurança social, pelo facto de os mesmos já ocorrerem no âmbito da sua atividade profissional de docência pelo que julgamos que tal não é legalmente admissível.

A taxa contributiva global aplicável aos eleitos locais em regime de permanência a tempo inteiro e meio tempo é de 37,75% (23,75% a cargo da entidade empregadora e 11% a cargo do trabalhador).

Note-se que a entidade empregadora é obrigatoriamente inscrita na qualidade de contribuinte na segurança social, devendo entregar a declaração de remunerações em relação a cada um dos trabalhadores ao seu serviço, onde consta o valor da remuneração que constitui a base de incidência contributiva, os tempos de trabalho que lhe corresponde e a taxa contributiva aplicável e proceda ao pagamento das contribuições respetivas.

Finalmente, nos termos do artigo 2.º n.º 1 alínea a) e c) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, são tributados os rendimentos do trabalho dependente constante das remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular proveniente de:

“a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;

b)…

c) Exercício de função, serviço ou cargo públicos;

Logo, as remunerações pagas ao autarca pelo desempenho das suas funções, em regime de meio tempo, estão sujeitas a IRS.

Em conclusão:

1 – Não é possível acumular o exercício da função docente a tempo inteiro com o desempenho do cargo de autarca a meio tempo;

2 – O desempenho do cargo de autarca a meio tempo é possível, sendo as funções exercidas em comissão extraordinária de serviço, devendo o tempo do exercício da docência ser, consequentemente, reduzido na mesma proporção;

3 – O autarca em regime de tempo inteiro ou meio tempo (regime de permanência), está obrigado a efetuar descontos para a segurança social e para o IRS.

É o que sobre o solicitado cumpre informar.

À consideração superior,

Data de Entrada
Número do Parecer
2022/008