Orçamento de estado para 2021 Artigo 22.º - Contabilização da avaliação obtida pelos ex-militares das Forças Armadas após ingresso na administração pública

Com referência ao Ofício n.º 31189, de 23.12.2021, da Câmara Municipal de …, que mereceu o registo de entrada n.º E09542-202112, de 28.12.2021, em que é solicitado parecer sobre o assunto em epígrafe, cumpre informar:

São apresentadas três situações de trabalhadores daquela autarquia, cada uma com as suas especificidades que, no cômputo final, se resumem a saber se as avaliações de desempenho atribuídas a estes trabalhadores enquanto ex-militares devem ser tidas em conta para uma eventual conversão em pontos no âmbito do SIADAP.

Tudo porque o artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 30 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para 2021 (LOE 2021) veio prever a contabilização da avaliação obtida pelos ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública, dispondo que "Após ingresso na Administração Pública, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, são contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações."

A temática em apreço tem um alcance transversal a toda a Administração Pública, dado que os ex-militares abrangidos pela norma aprovada na LOE 2021 poderão ingressar em qualquer órgão ou serviço da Administração Pública, bem como em qualquer carreira, cabendo à entidade empregadora dar cumprimento à norma citada, designadamente no que respeita à transposição e contabilização das avaliações obtidas e respetivos efeitos.

Mas então como se poderá dar cumprimento a uma estatuição legal desta natureza?

Vejamos então o que se nos oferece.

I

O SIADAP

1 – O sistema integrado de avaliação do desempenho para a Administração Pública designado correntemente por SIADAP enquadra-se no processo de reforma assente nos objetivos de “qualidade e excelência”, “Liderança e Responsabilidade” e “mérito e qualificação”.

Foi criado em 2004, pela Lei n.º 10/2004, de 22 de março, a qual foi regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de maio – 1.ª geração.

Foi revisto e aperfeiçoado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, e esta foi alterada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009), pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011) e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013) – 2.ª geração.

Não obstante a sigla SIADAP se tenha mantido da primeira para a segunda (atual) geração, a designação do sistema foi alterada, tendo o legislador acrescentado o termo “gestão”, reflexo também das múltiplas alusões ao mesmo no corpo do diploma, nomeadamente referindo-se a sistemas de gestão de desempenho (art.º 5.º), a gestão da AP (art.º 6.º) e ao ciclo de gestão (art.º 8.º).

Foi através do Decreto Regulamentar n.º 18/2009, de 04 de setembro, que o SIADAP foi adaptado e extensivo à administração autárquica, altura a partir da qual se passou à sua aplicação.

O SIADAP tem como objetivos essenciais:

1 – Promover a qualidade dos serviços e organismos da Administração Pública;

2 – Mobilizar os funcionários em torno da missão essencial do serviço orientando a sua atividade em função de objetivos claros e critérios de avaliação transparentes;

3 – Reconhecer o mérito;

4 – Potenciar o trabalho em equipa;

5 – Promover a comunicação entre hierarquias;

6 – Identificar necessidade de formação.

Como é sabido e no que concerne à avaliação dos trabalhadores, os mesmos são avaliados no âmbito do subsistema de avaliação de desempenho designado por SIADAP 3.

A avaliação de desempenho dos trabalhadores é efetuada com base em resultados decorrentes dos objetivos individuais contratualizados, em articulação com os objetivos da respetiva unidade orgânica, e em competências previamente estabelecidas, que visam avaliar os conhecimentos, capacidades técnicas e comportamentais adequadas ao exercício de uma função.

II

O sistema de avaliação de desempenho nas Forças Armadas

Regra geral[1], o SIADAP não é aplicável aos militares das Forças Armadas, porque estas têm recorrido a regimes próprios, consagrados ao longo do tempo por normativos específicos para cada um dos ramos das Forças Armadas, nomeadamente através do disposto nas Portarias n.º 502/95, de 26 de maio, alterada pela Portaria n.º 1380/2002, de 23 de outubro (Marinha), Portaria n.º 361-A/91, de 30 de outubro, revogada pela Portaria n.º1246/2002 de 7 de setembro (Exército) e Portaria n.º 292/94, de 17 de maio, revogada pela Portaria n.º 976/2004, de 3 de agosto (Força Aérea), as quais cessaram as suas vigências a 1 de janeiro de 2018, data a partir da qual foram substituídos pelo novo Regulamento de avaliação do mérito dos militares das Forças Armadas anexo à Portaria n.º301/2016, de 30 de novembro, conforme consta do seu artigo 4.º.

Destes regimes ressalta a evidência de que sendo sistemas de avaliação distintos para carreiras distintas não se alcança como possível a sua transposição para as carreiras do SIADAP.

III

O Orçamento de Estado

 

Nos termos do n.º 1 do artigo 106.º da Constituição: “A lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respetiva lei de enquadramento, que incluirá o regime atinente à elaboração e execução dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos”.

Por aqui se extrai que tanto a aprovação como a execução da lei do orçamento do Estado: têm uma base anual[2]; são parametrizadas pela lei de enquadramento orçamental[3].

Se é certo que constitui competência da Assembleia da República aprovar (sobre proposta do Governo) a Lei do Orçamento do Estado[4], a sua execução é da competência do Governo[5].

Sucede, porém, que a execução do orçamento não se bastará com o exercício de funções administrativas, antes pressupondo – de acordo com a Lei de Enquadramento Orçamental[6] – que o Governo, ao abrigo dos poderes legiferantes que lhe são constitucionalmente acometidos[7], defina, para cada ano e por referência à lei do orçamento do Estado que houver sido aprovada, as condições normativas para a sua execução.

Com efeito, embora o n.º 4 do artigo 105.º da Constituição determine que o Orçamento deverá definir “as regras da sua execução”, a Lei de Enquadramento Orçamental, no n.º 1 do seu artigo 53.º, exige que o Governo defina por decreto-lei as operações de execução orçamental da competência dos membros do Governo e dos dirigentes dos serviços sob sua direção ou tutela. Aliás, o n.º 2 deste artigo, de modo especialmente claro e preciso, refere que: “Em cada ano, o Governo estabelece, por decreto-lei, as normas de execução do Orçamento do Estado, incluindo as relativas ao orçamento dos serviços e entidades dos subsetores da administração central e da segurança social respeitante ao ano em causa, sem prejuízo da aplicação imediata das normas da presente lei que sejam exequíveis por si mesmas”.

Para o efeito, prevê o n.º 3 “…o Governo deve aprovar num único decreto-lei as normas de execução do Orçamento do Estado, incluindo as relativas ao orçamento dos serviços e entidades dos subsetores da administração central e da segurança social”, ainda que resulte acautelada a hipótese de, durante o ano económico, e no pressuposto de que tal se justifique, sejam aprovados outros decretos-leis contendo normas de execução orçamental.

Este diploma (o decreto-lei de execução orçamental) deverá conter as soluções normativas concretizadoras e densificadoras das normas da LOE que não sejam exequíveis por si mesmas, criando as condições normativas para que o orçamento possa ser executado.

Observa-se, porém, não terem sido aprovados os decretos-lei de execução orçamental para os anos de 2020 e 2021, antes publicada a circular Série A, n.º 1400 datada de 08 de fevereiro de 2021, a qual por falta de regulamentação, não torna exequível o artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 30 de dezembro.

Este é um dos artigos que, para ser exequível, carece de regulamentação, pelo que a sua falta, torna a norma não aplicável.

IV

A aplicabilidade do artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020

Sobre esta matéria, a Direção-geral de Recursos da Defesa Nacional já teve oportunidade de se pronunciar através do seu parecer n.º 522, de 23 de março de 2018[8], o qual acompanhamos e que devido à sua substância, é subsumível às questões da entidade consulente, pelo que transpomos algumas das suas passagens:

 

“3. Refere o artigo 156.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovado pela Lei n. º 35/2014, de 20 de junho:

2 – São elegíveis para beneficiar de alteração do posicionamento remuneratório os trabalhadores do órgão ou serviço, onde quer que se encontre em exercício de funções, que, na falta de lei especial em contrário, tenham obtido, nas últimas avaliações do seu desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento em que se encontram: (…)

(…)

7 – Há lugar a alteração obrigatória para posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que o trabalhador se encontra, quando a haja, independentemente dos universos definidos nos termos do artigo 158.º, quando aquele, na falta de lei especial em contrário, tenha acumulado 10 pontos de avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontra (…)”

4. De acordo com o normativo acima previsto, já nos n.ºs 1 e 5 do artigo 47.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro (diploma que antecedeu a LTFP), é nosso entendimento, tal como é da Direção-Geral de Administração e Emprego Público (DGAEP)[9], que com uma mudança de posição remuneratória, seja por alteração do posicionamento remuneratório propriamente dito, seja por ingresso numa carreira de Administração Pública ou mudança de carreira, inicia-se um novo período de aferição das avaliações relevantes para efeitos de uma futura alteração do posicionamento remuneratório.

5. Neste sentido, no que respeita à questão da relevância das avaliações dos antigos militares em RC/RV contarem para as futuras alterações de posição remuneratória nas carreiras de técnico superior, assistente técnico, assistente operacional ou numa outra carreira especial, chama-se a atenção para o facto de quando um militar em RC/RV cessa o vínculo com as Forças Armadas e ingressa numa nova carreira (a título permanente) da Administração Pública, está a começar um novo período de aferição de avaliação conforme decorre do acima exposto….

7. Aliás, da leitura das normas do SIADAP quando comparadas as regras constantes dos três regulamentos de avaliação dos militares, bem como do regulamento único que entrou em vigor em 1 de janeiro, verifica-se que são sistemas de avaliação distintos pensados para carreiras distintas, não havendo sequer norma que permita efetuar uma transposição dos resultados obtidos numa carreira sujeita a um sistema de avaliação para outra carreira com um outro sistema de avaliação, pelo que não se sabe como seria possível transpor as avaliações obtidas durante a prestação do serviço militar para as carreiras abrangidas pelo SIADAP.

8. Este entendimento não colide nem com o disposto no artigo 30.º do RIPSM, na medida que o que aí está em causa é estabelecer em que medida o tempo de serviço efetivo é relevante para efeitos de candidatura a um lugar vago em órgão ou serviço público e subsequente ingresso numa nova carreira, nem com a norma do artigo 11.º da LTFP onde se consagra o princípio da continuidade do exercício de funções públicas, onde o que está em causa são os feitos de decorrem da antiguidade das funções públicas, independentemente do tipo de vínculo de emprego público e do órgão, serviço ou pessoa coletiva pública onde prestou desempenhou funções. Assim sendo, um militar em RC vê o tempo em que desempenhou serviço contar para efeitos de antiguidade nas funções públicas quando transita para uma outra carreira da administração pública ou/e muda de serviço ou órgão, o que tem efeitos, por exemplo, em termos de férias, conforme resulta do n.º 4 do artigo 126.º da LTFP. Quanto às avaliações obtidas enquanto militares apenas têm relevo para esta carreira, pelo que quando muda carreira, com um sistema de avaliação completamente diferente, essa avaliação deixa de relevar.

CONCLUSÃO E PROPOSTA

Face ao acima exposto, ainda que se entenda que os trabalhadores em causa têm direito às declarações com as avaliações obtidas ao longo do tempo em que prestaram serviço efetivo, considera-se que as mesmas não devem relevar para efeitos de progressão nas novas carreiras, podendo, todavia, ser utilizadas para outros fins com consagração legal[10].”

 

V

SÍNTESE E CONCLUSÕES

Conforme decorre do explanado em III, constata-se que quer para o ano de 2020, quer para o ano de 2021, não foram aprovados os respetivos decretos de execução orçamental, antes publicada a circular Série A, n.º 1400, datada de 08 de fevereiro de 2021, a qual por falta de regulamentação específica não torna exequível o artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 30 de dezembro.

Por outro lado, pelo facto de existirem sistemas de avaliação de desempenho específicos para cada um dos ramos das Forças Armadas como referido em II, não é possível fazê-los corresponder ao sistema do SIADAP.

EM CONCLUSÃO:

1 – As avaliações de desempenho enquanto militares, não relevam para efeitos de progressão nas novas carreiras, podendo, todavia, serem utilizadas como o foram e bem, para as duas primeiras situações apresentadas pela entidade consulente.

2 – Daqui decorre que fica assim prejudicada a resposta afirmativa à terceira situação.

É o que nos cumpre informar sobre o solicitado,

 

[1] Os militares que exerçam funções em serviços da administração direta e indireta do Estado, bem como nas outras entidades referidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º da Lei n.º 66-B/2007, na sua atual redação, além de serem avaliados nos termos do Regulamento de avaliação do mérito dos militares das Forças Armadas, ou dos regulamentos existentes para cada ramo, que o antecederam, são ainda avaliados de acordo com as regras do SIADAP, conforme decorre do n.º 4 do mesmo artigo.

 

[2] Veja-se também que, nos termos do n.º 3 do artigo 105.º da Constituição, “O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respetiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas”.

 

[3] Constituindo competência exclusiva da Assembleia da República a aprovação deste diploma. CFR. al. r) do artigo 164.º da Constituição.

 

[4] CFR. al. g) do artigo 161.º da Constituição.

 

[5] CFR. al. b) do artigo 199.º da Constituição.

 

[6] Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro.

 

[7] No caso, prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição.

 

[8] Consultável em: https://dgrdn.gov.pt/dgrdn/a-dgrdn/esclarecimentos.html

 

[9] Ver FAQ’s relevantes – processo de descongelamento de carreiras LTFP – página eletrónica da DGAEP.

 

[10] A título de exemplo, a declaração pode ser usada em sede de avaliação curricular aplicada no âmbito de um procedimento concursal, conforme previsto no n.º 2 do artigo 36.º da LTFP e no artigo 11.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 145-A/2011, de 6 de abril.

 

Data de Entrada
Número do Parecer
2022/012