Pedido de esclarecimento-Limite legal de gastos com pessoal

I - O pedido:

A Direção-Geral das Autarquias Locais, através de email de 23 de janeiro de 2023, enviou a esta CCDR o pedido que o Senhor Presidente da Junta de Freguesia de …, lhe dirigiu em 17 de janeiro de 2023, com o seguinte teor:

 

Vimos por este meio solicitar a V.ªs Ex.ªs parecer legal relativamente ao limite de gastos com o pessoal. Esta Junta tem a nível administrativo 4 assistentes técnicas a contrato por tempo indeterminado e 1 assistente operacional a termo certo (destacada no Posto de Correios existente na Junta), na rua temos 3 trabalhadores na categoria de assistente operacional, dos quais 2 são a contrato por tempo indeterminado e 1 contratado a termo certo.

Acontece que temos uma assistente técnica de baixa há mais de 12 meses (sofreu um aneurisma cerebral e ficou com limitações, como tem 63 anos de idade o mais provável é ser aposentada) e outra que vai para baixa médica por se encontrar com doença oncológica.

Entendemos que, mesmo com um quadro de pessoal reduzido, a gestão de recursos humanos obedece a determinados parâmetros sobre organização de serviços para que as funções dos trabalhadores sejam exercidas com eficácia e eficiência. Com esta redução de pessoal e o aumento de delegação de competências, não nos é permitido atingir determinados objetivos, pelo que solicitamos a V.ªs Ex.ªs parecer relativamente quanto ao limite legal de gastos com pessoal, independentemente de ser a termo certo ou por tempo indeterminado.”

 

II – Análise:

A atividade financeira das autarquias locais exerce-se de acordo com o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (versão atualizada).

No que diz respeito às transferências financeiras para as freguesias, os montantes das transferências financeiras correspondentes às receitas das freguesias previstas no Fundo de Financiamento das Freguesias são anualmente inscritos na Lei do Orçamento do Estado[1].

No ano de 2023, o montante a atribuir a cada freguesia consta do Mapa 13, anexo à Lei do Orçamento para 2023[2].

Neste quadro legal, as autarquias locais estão sujeitas ao cumprimento de princípios fundamentais, consagrados nos artigos 3.º a 13.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, que pretendem assegurar o controlo orçamental e acautelar situações de instabilidade e desequilíbrio financeiro.

Desde logo, devem atuar em obediência ao princípio da legalidade: no exercício dos seus poderes, os órgãos das autarquias locais não poderão determinar ou autorizar despesas não permitidas por lei.

Para tal, devem apresentar orçamentos anuais, no cumprimento do princípio da anualidade, compreendendo estes as receitas e despesas de todos os seus órgãos e serviços, no respeito do princípio da unidade e universalidade.

Deste modo, estão sujeitos a métodos e regras previsionais, devendo preparar e aprovar orçamentos anuais (enquadrados num plano plurianual de programação orçamental), com a previsão todas as receitas a cobrar e todas as despesas a realizar durante cada ano económico, o que determina, em consequência, que todas as verbas terão que ser movimentadas através do orçamento, de acordo com as contas e classificador económico em vigor para as autarquias locais[3].

Em suma, nenhuma despesa poderá ser autorizada e paga sem base legal, ou sem que esteja inscrita adequadamente em orçamento, em termos de rubrica e respetivo cabimento.

Em coerência com estes princípios, em matéria de trabalho em funções públicas, torna-se necessário considerar o regime de planeamento e gestão de recursos humanos previsto nos artigos 28.º a 32.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LGTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (versão atualizada).

No que respeita a cada exercício orçamental, o empregador público deverá planear as atividades de natureza permanente ou temporária, tendo dois instrumentos primordiais de gestão de recursos humanos por referência: o mapa de pessoal e o orçamento.

A LGTFP, de acordo com o n.º 2 do artigo 1.º, é aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, à administração autárquica.

Pelo que, no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos das autarquias, no caso das juntas de freguesia, de acordo com alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (versão atualizada), compete à junta de freguesia elaborar e submeter à aprovação da assembleia de freguesia as opções do plano e a proposta de orçamento.

Nos termos do artigo 11.º e 12.º do Regime Jurídico das Autarquias locais, a aprovação das opções do plano e da proposta de orçamento para o ano seguinte devem ter lugar na quarta sessão (novembro ou dezembro)[4].

Deste modo, os mapas de pessoal, enquanto instrumentos de gestão de recursos, devem acompanhar a proposta de orçamento a submeter a aprovação, identificando-se, desde logo, as eventuais alterações consideradas em função das (novas) necessidades, de acordo com as regras de orçamentação e gestão das despesas com pessoal previstas no artigo 31.º da LGTFP:

“Artigo 31.º

Orçamentação e gestão das despesas com pessoal

1 - O orçamento dos órgãos ou serviços deve prever os seguintes encargos relativos aos trabalhadores:

a) Encargos relativos a remunerações;

b) Encargos relativos aos postos de trabalho previstos nos mapas de pessoal aprovados e para os quais se preveja recrutamento;

c) Encargos com alterações do posicionamento remuneratório;

d) Encargos relativos a prémios de desempenho.

2 - Compete ao dirigente máximo do órgão ou serviço decidir sobre o montante máximo de cada um dos tipos de encargos, podendo optar, sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo 156.º, pela afetação integral das verbas orçamentais correspondentes a apenas um dos tipos.

3 - A decisão referida no número anterior é tomada no prazo de 15 dias após o início da execução do orçamento, devendo discriminar as verbas afetas a cada tipo de encargo.

4 - A decisão referida nos números anteriores pode ser alterada ao longo da execução orçamental, de acordo com o disposto nos números seguintes.

5 - Quando não seja utilizada a totalidade das verbas orçamentais destinadas a suportar o tipo de encargos referido na alínea b) e c) do n.º 1, a parte remanescente acresce às destinadas a suportar o tipo de encargos referido na alínea d) do mesmo número.

6 - No decurso da execução orçamental, os montantes orçamentados a que se referem as alíneas b), c) e d) do número anterior não podem ser utilizados para suprir eventuais insuficiências orçamentais no âmbito das restantes despesas com pessoal.

7 - Em caso de desocupação permanente de postos de trabalho previstos no mapa de pessoal e anteriormente ocupados, podem as correspondentes verbas orçamentais acrescer ao montante previsto para os encargos com o recrutamento de trabalhadores.”

 

Assim, compete ao dirigente máximo do órgão ou serviço, neste caso à junta de freguesia[5] decidir sobre o montante máximo de cada um dos tipos de encargos, sendo esta decisão tomada no prazo de 15 dias após o início da execução do orçamento[6], devendo discriminar as verbas afetas a cada tipo de encargo.

De acordo com a disciplina fixada neste artigo, identificam-se as condições de alteração da decisão sobre o montante máximo de cada um dos tipos de encargos no decurso da execução orçamental (n.ºs 5 e 6).

Por sua vez, sempre que no decurso do ano orçamental se verifique a desocupação permanente de postos de trabalho previstos no mapa de pessoal, as correspondentes verbas orçamentais podem acrescer ao montante previsto para os encargos com o recrutamento de trabalhadores (n.º 7).

Nestas condições, poderá ser realizado procedimento concursal para o preenchimento das necessidades consideradas no mapa de pessoal, cuja despesa esteja prevista no orçamento aprovado, sejam de natureza permanente ou temporária.

Para tal, torna-se necessário, igualmente, cumprir o disposto na LGTFP em matéria de formação do vínculo, quanto ao recrutamento e quanto à forma de contrato de trabalho em funções públicas, conforme, em geral, determina o n.º 2 do artigo 30.º da LGTFP: o recrutamento deve ser feito por tempo indeterminado ou a termo, consoante a natureza permanente ou transitória da atividade, tal como consta do mapa de pessoal.

O contrato de trabalho em funções públicas constituído por tempo indeterminado destina-se a assegurar os postos de trabalho de que o serviço necessita para o desenvolvimento das suas atividades, e constitui, por isso, a regra geral de admissão de trabalhadores.

Por sua vez, o contrato de trabalho a termo resolutivo (certo ou incerto) apenas pode ser celebrado nas situações elencadas no artigo 57.º da LTFP, desde que fundamentadamente justificadas, como seja o caso de substituição de trabalhador ausente por motivo de doença prolongada.

As alterações ao mapa de pessoal que determinem a revisão do orçamento, designadamente, com fundamento no aumento do número de postos de trabalho, carecem da aprovação do órgão competente, assembleia de freguesia, nos termos das alíneas a) e m) do artigo 9.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, de cabimento orçamental e de justificação sobre a sua sustentabilidade futura[7].

Por último, relativamente ao aumento de competências, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 57/2019, de 30 de abril, que concretiza a transferência de competências dos municípios para os órgãos das freguesias, prevê-se no artigo 8.º que a transferência das competências pode, nos termos a acordar entre o município e as respetivas freguesias, determinar a transição dos trabalhadores com vínculo de emprego público, que exerçam atividades integradas naquelas competências, do mapa de pessoal da câmara municipal em que estejam integrados para o mapa de pessoal da junta de freguesia.

No que diz respeito ao processo de descentralização de competências ao abrigo da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, e respetivos diplomas setoriais[8], em matéria das respetivas fontes de financiamento e os seus modos de afetação, deverá ser consultada a informação disponibilizada pela Direção-Geral das Autarquias Locais[9].

 

III - Conclusão:

Em síntese, tendo por base o exposto sobre a orçamentação e gestão das despesas com pessoal, para o recrutamento de trabalhadores deverá ser considerado o montante máximo fixado para o encargo relativamente aos postos de trabalho previstos no mapa de pessoal aprovado e para os quais se preveja recrutamento, conforme consta na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º da LGTFP.

No decurso da execução orçamental, a alteração deste montante máximo só poderá ocorrer nos termos previstos nos n.ºs 4 a 7 do artigo 31.º da LGTFP.

 

 

[1] As freguesias têm direito a uma participação nos impostos do Estado equivalente a 2,50 /prct. da média aritmética simples da receita do IRS, IRC e do IVA, nos termos referidos no n.º 2 do artigo 25.º, a qual constitui o Fundo de Financiamento das Freguesias, cf. artigos 36.º a 38.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (versão atualizada).

 

[2] Aprovada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 1-A/2023, de 3 de janeiro e pela Declaração de Retificação n.º 7/2023, de 15 de fevereiro.

 

[3] Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais, POCAL, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54-A/99, de 22 de fevereiro.

 

[4] Salvo o disposto no artigo 61.º referente à aprovação especial dos instrumentos previsionais para o ano imediato ao da realização de eleições intercalares.

 

[5] No que respeita à competência de dirigente máximo, considera-se feita à junta de freguesia, enquanto órgão executivo, cf. fixado na alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 209/2009, de 03 de setembro (versão atualizada).

 

[6] As normas de execução do Orçamento do Estado para 2023 constam do Decreto-Lei n.º 10/2023, de 8 de fevereiro.

 

[7]No sentido em que vem exigido no n.º 5 do artigo 29.º da LGTFP, sobre as alterações ao mapa de pessoal que impliquem um aumento de postos de trabalho.

[8] Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro; Decreto-Lei n.º 22/2019, de 30 de janeiro; Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro; Decreto-Lei n.º 55/2020, de 12 de agosto.

 

[9] Fundo de Financiamento da Descentralização é da gestão da Direção-Geral das Autarquias Locais. Portal Autárquico - Descentralização - Documentos previsionais (dgal.gov.pt).

Data de Entrada
Número do Parecer
2023/006