Pedido de Parecer - Declaração de União de Facto

I - O pedido:

 

O Senhor Presidente da Junta de Freguesia de…, através de email de 30 de janeiro de 2024, com referência à informação da AIMA, I.P. sobre o Cartão de Residência, vem solicitar parecer sobre a seguinte situação:

 

“Um cidadão com certificado de registo de cidadão da EU, emitido há 3 meses, como morada nesta freguesia, declarou sob compromisso de honra que reside nesta freguesia desde essa data, e que vive em união de facto há mais de dois anos com uma cidadã, de nacionalidade Argentina, sem documento de residência, exibindo apenas o seu passaporte.

Para efeitos de obter cartão de residência para familiares junto da AIMA, os requerentes solicitaram à junta de freguesia Declaração de União de Facto, a provar que vivem em união de facto há mais de 2 anos.

Questão: Como deve a junta de freguesia proceder? Como pode a junta de freguesia provar e emitir uma Declaração de que vivem em união de facto há mais de dois anos, se os requerentes residem nesta freguesia apenas há 3 meses?”

 

II - Análise:

 

A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, de acordo com o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio (versão atualizada), que aprovou as medidas de proteção das uniões de facto.

No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles (artigo 2.º - A, n.º 2).

A junta de freguesia deverá, ainda, verificar que os requerentes não estão abrangidos pelos impedimentos previstos nas alíneas a) a e) do artigo 2.º desta Lei:

 

a) Idade inferior a 18 anos à data do reconhecimento da união de facto;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos e situação de acompanhamento de maior, se assim se estabelecer na sentença que a haja decretado, salvo se posteriores ao início da união;

c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha reta;
e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro
.”

 

Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível (artigo 2.º - A, n.º 1).

Aplicando ao caso concreto, importa resolver a prova da união de facto há mais de dois anos, e se é obrigatório que a requerente, nacional de país terceiro, apresente um título de residência válido.

 

III - Solução Interpretativa Uniforme:

 

Sobre esta matéria, no âmbito das competências das juntas de freguesia, em reunião de 21 de novembro de 2024, foi formulada uma Solução Interpretativa Uniforme, homologada por despacho do Senhor Secretário de Estado das Autarquias Locais e do Ordenamento do Território, exarado em 08 de janeiro de 2025, a qual, depois de homologada, é vinculativa para a DGAL, IGF e CCDR, I.P., com o seguinte conteúdo:[1]

 

“Pergunta:

Para emissão de atestado de residência pela junta de freguesia é obrigatório que o requerente apresente o título de residência válido ou podem ser apresentados outros documentos, tais como: manifestação de interesse, fatura de serviços (água, luz), contrato de arrendamento, contrato de trabalho, recibo de renda, certidão da Segurança Social, entre outros?

 

Solução interpretativa uniforme:

Atentando no disposto no n.º 1 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, na sua atual redação, os atestados de residência a cidadãos estrangeiros residentes na freguesia devem ser emitidos desde que, em alternativa: a) Qualquer dos membros dos órgãos executivo ou deliberativo da freguesia tenha conhecimento direto dos factos a atestar; ou b) Quando a sua prova seja feita: i. por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia; ou ainda ii. por outro meio legalmente admissível, nomeadamente testemunho oral ou escrito do técnico ou assistente social da área onde o cidadão pernoita, no caso de se tratar de atestado requerido por pessoa em situação de sem-abrigo.

 

Fundamentação:

Quando a emissão do atestado de residência pela junta de freguesia dependa de qualquer “outro meio legalmente admissível”, pode ser apresentado qualquer documento relevante (como contratos de arrendamento ou faturas de água ou eletricidade, com a morada completa) como meio de prova do facto de o interessado na emissão de atestado de residência residir em determinada localização.

As alíneas qq) e rr) do n.º 1 do artigo 16.º do regime jurídico das autarquias locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, na sua atual redação, determinam, respetivamente, que compete à junta de freguesia lavrar termos de identidade e justificação administrativa e passar atestados, incumbindo ao presidente da junta de freguesia assinar, em representação da junta de freguesia, toda a correspondência, bem como os termos, atestados e certidões da competência da junta, ao abrigo do consignado na alínea l) do n.º 1 do artigo 18.º do referido regime jurídico. Especificamente sobre os “Atestados emitidos pelas juntas de freguesia”, dispõe o artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril.

Sobre esta matéria Reunião de Coordenação Jurídica realizada em 23 de setembro de 1999, foi aprovado, por unanimidade, o seguinte entendimento:

“1. Não possuindo título de autorização de residência nos termos da lei ou convenção internacional válido, não poderá o estrangeiro fixar a sua residência em Portugal, no cumprimento da Lei.

2. Para se assegurar da efetiva autorização de residência de estrangeiro que requeira à Junta de Freguesia a passagem do atestado de residência, poderá aquele órgão autárquico solicitar a exibição de título de residência, válido.

3. Não possuindo o cidadão estrangeiro o título de residência comprovativo da autorização de residência, não deverá ser emitido atestado de residência.

”Posteriormente, a Recomendação n.º 9-A/2007, de 9 de abril do Provedor de Justiça - acessível em https://www.provedor-jus.pt/?idc=67&idi=3492 - relacionada com a exigência, por uma junta de freguesia, para efeitos de emissão de atestado de residência a estrangeiro, de “fotocópia do passaporte (…), assim como o preenchimento de requerimento, em uso nessa autarquia local”, extrai-se que se considera deverem ser “alterados os procedimentos conducentes à emissão de atestado de residência a favor de cidadãos estrangeiros residentes na freguesia” com os fundamentos que se sintetizam:

- “(…) a intervenção que as autarquias locais são chamadas a desempenhar nesta matéria assenta, única e exclusivamente, na capacidade, àquelas legalmente reconhecida, de atestar factos e não situações jurídicas (como a da regularidade da permanência em Portugal)”;

- “(…) nas situações em apreço, trata-se, tão somente, de praticar ato que, definido nos seus exatos termos na legislação acima compulsada, se assume como meramente instrumental, na sua função declarativa, na salvaguarda dos interesses e direitos legal e constitucionalmente reconhecidos também aos cidadãos estrangeiros, e que, necessariamente, importa acautelar”;

- “Por esta razão, não se conforma a legislação em vigor nesta matéria, com a imposição de condições extravagantes face às por aquela acolhidas, uma vez que a mesma exige, tão somente, como condição para a emissão de atestados, a verificação de qualquer uma das circunstâncias que a seguir se enunciam:

a) conhecimento direto dos factos a atestar, por parte de algum dos membros do executivo ou da assembleia de freguesia;

b) testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia ou c) declaração do requerente.” - “Nestes dois últimos casos, importa ter presente o facto de o legislador ter estabelecido, como atrás se referiu, mecanismo de salvaguarda da legalidade dos procedimentos a adotar pelas Juntas de Freguesia, ao determinar que as falsas declarações fazem incorrer o seu autor em responsabilidade criminal.

”Após a emissão da Recomendação referida, o artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril foi objeto de duas alterações, delas resultando da atual redação do seu n.º 1, a impossibilidade de emissão de atestados com base em “declaração do requerente”, mas a admissibilidade de prova dos factos atestados “por outro meio legalmente admissível, nomeadamente testemunho oral ou escrito do técnico ou assistente social da área onde o cidadão pernoita, no caso de se tratar de atestado requerido por pessoa em situação de sem-abrigo”.

Nesta conformidade - atendendo à atual redação do artigo 34.º do Decreto-Lei nº 135/99, de 22 de abril e acolhendo a posição vertida na referida Recomendação n.º 9-A/2007, de 9 de abril do Provedor de Justiça, e fazendo-se dela interpretação atualista conclui-se que os atestados de residência a cidadãos estrangeiros residentes na freguesia devem ser emitidos desde que, em alternativa:

a. Qualquer dos membros dos órgãos executivo ou deliberativo da freguesia tenha conhecimento direto dos factos a atestar; ou

b. Quando a sua prova seja feita: - por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia; ou ainda- por outro meio legalmente admissível, nomeadamente testemunho oral ou escrito do técnico ou assistente social da área onde o cidadão pernoita, no caso de se tratar de atestado requerido por pessoa em situação de sem-abrigo.

A produção de qualquer das provas referidas não está sujeita a forma especial, devendo, quando orais, ser reduzidas a escrito pelo trabalhador que as receber e confirmadas mediante assinatura de quem as apresentar.

Se a prova for efetuada por testemunho oral ou escrito de dois cidadãos eleitores recenseados na freguesia, deve ser acautelada a identificação dos cidadãos em causa, através da apresentação do cartão de cidadão ou bilhete de identidade e confirmação do recenseamento na respetiva freguesia, sendo que as falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.

Quando a emissão do atestado dependa de qualquer “outro meio legalmente admissível”, poderá ser apresentado qualquer documento relevante (como contratos de arrendamento ou faturas de água ou eletricidade, com a morada completa) como meio de prova do facto de o interessado na emissão de atestado de residência residir em determinada localização, não devendo as Juntas exigir a apresentação de autorização de residência aos interessados para a emissão de atestado de residência, visto que a legalidade da residência em Portugal não se confunde com o facto de o interessado residir em determinada localização, constituindo este o único facto relevante, nos termos legais, para a emissão de atestado de residência.

Para salvaguarda da posição das Juntas de Freguesia (JF) que devem emitir os atestados de residência nos termos do disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril, na redação em vigor, os Presidente da JF têm liberdade para, perante os meios de prova apresentados pelos requerentes, atestar ou não a residência em determinada localização e podem, ainda, incluir no atestado a menção de que aquele documento apenas atesta o facto de o interessado residir em determinada localização, constituindo este o único facto relevante, nos termos legais, para a emissão de atestado de residência, não se confundindo com a legalidade da residência em Portugal.”

 

IV – Em conclusão:

 

Em resposta às questões colocadas, com base na Solução Interpretativa Uniforme em aplicação, conclui-se que não é obrigatório apresentar um título de residência válido, uma vez que os Presidentes das JF têm liberdade para, perante os meios de prova apresentados pelos requerentes, atestar ou não a residência em determinada localização, não se confundindo este atestado com a legalidade da residência em Portugal;

 

No mesmo sentido, quando a emissão da declaração de união de facto há mais de dois anos dependa de “qualquer outro meio legalmente admissível”, poderá a entidade consulente admitir os meios de prova identificados na mesma Solução Interpretativa Uniforme, bem como adotar a produção de qualquer das provas aí referidas.

 

[1] Portal Autárquico - Coordenação Jurídica

Data de Entrada
Número do Parecer
2025/001