Pedido de parecer- Eleito Local
I – As questões colocadas:
A Senhora Vice-Presidente da Câmara Municipal…, através do ofício ref.ª MGD:67186, de 13-10-2025, vem solicitar esclarecimento sobre o direito a férias não gozadas e/ou o seu pagamento à Técnica Superior,… que desempenhou funções de vereadora em regime de permanência de outubro de 2009 a maio de 2021, e partir daqui de Presidente desta Câmara Municipal, não tendo gozado, no total, 442 dias de férias.
Quanto à avaliação de desempenho, solicita ainda esclarecimento se esta pode “solicitar ponderação curricular, de forma retroativa ao período em que exerceu cargos políticos autárquicos”.
II - Análise:
- Sobre o direito a férias não gozadas:
O direito a férias dos eleitos locais está consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 5.º. do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho (versão atualizada).
Os eleitos locais em regime de permanência ou de meio tempo têm direito a 30 dias de férias anuais, nos termos do artigo 14.º deste Estatuto.
Sobre a interpretação destas normas, verifica-se que têm sido publicados vários pareceres das CCDR I.P.[1], que se se pronunciaram sobre o seu sentido e alcance, tendo-se concluído que a previsão de um regime de férias próprio e específico dos eleitos locais não permite aplicar o regime de férias dos trabalhadores em funções públicas, atualmente previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (versão atualizada).
Nestes termos, os eleitos locais, desde que se encontrem nessas funções em 1 de janeiro, adquirem nessa data o direito às férias do próprio ano, que corresponde a 30 dias, que deverão ser gozados no ano a que respeitam, porque o Estatuto dos Eleitos Locais não prevê qualquer norma sobre a acumulação das férias.
Por outro lado, este regime não inclui, igualmente, a previsão legal relativa ao pagamento das férias não gozadas, mesmo em situação de cessação definitiva de funções, concluindo-se, deste modo, que não é possível proceder ao seu pagamento.
Sobre esta questão, cumpre, ainda, alertar a entidade consulente para o entendimento do Tribunal de Contas[2], no sentido exposto, concluindo que a remuneração de férias não gozadas a eleitos locais constitui despesa ilegal e pagamento ilegal e indevido, suscetível de gerar eventual responsabilidade financeira sancionatória e reintegratória, conforme decorre da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º e do n.º 4 do artigo 59.º, ambos da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de agosto (versão atualizada).
E assim sendo, com a cessação das funções de Presidente da Câmara, a Técnica Superior em causa perdeu direito ao gozo das férias enquanto eleito local, devendo retomar, de imediato, a atividade inerente à categoria/posto de trabalho, de acordo com o artigo 279.º da LGTFP, uma vez que cessou a situação de suspensão do vínculo prevista no artigo 276.º da LGTFP, e que foi determinada pela impossibilidade de exercer a atividade profissional durante o exercício dos cargos em questão.
De facto, de acordo com o regime da LGTFP, a suspensão do vínculo de emprego público pode ocorrer em situações específicas (artigo 276.º), em casos previstos na lei, como seja o exercício de cargos políticos em regime de exclusividade de funções, e que abrange os membros dos órgãos executivos do poder local[3].
No ano de cessação do impedimento prolongado o trabalhador tem direito a férias nos termos do artigo 127.º da LGTFP, dois úteis por cada mês completo, conforme determina o n.º 2 do artigo 129.º da LGTFP[4].
Em 1 de janeiro de 2026, não estando o vínculo suspenso, adquire o direito ao período normal de férias, nos termos do artigo 126.º da LGTFP.
- Sobre a avaliação de desempenho:
Os eleitos locais não podem ser prejudicados na respetiva colocação ou emprego permanente por virtude do desempenho dos seus mandatos, de acordo com o princípio consagrado no n.º 1 do artigo 22.º do Estatuto dos Eleitos Locais.
Nesse sentido, os trabalhadores com vínculo de emprego público por tempo indeterminado têm direito a retomar a carreira de acordo com a posição remuneratória devida, em função da aplicação das regras previstas para o seu desenvolvimento[5].
Para tal, importa realizar um exercício de “reconstituição” da carreira, submetendo a situação concreta a todas as medidas que foram aplicadas ao longo do período do exercício dos cargos, com efeitos na progressão[6], devendo ser integrada na posição/nível remuneratórios em termos idênticos ao que resulta para um trabalhador integrado na mesma carreira, com o mesmo tempo de serviço e avaliação de desempenho.
Quanto à questão colocada sobre a possibilidade de obter uma ponderação curricular de “forma retroativa”, de modo a alterar a avaliação desempenho que obteve em cada ciclo avaliativo, conclui-se que tal não se encontra previsto na Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro (versão atualizada), que aprovou o Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP).
Ao contrário do pretendido, o artigo 41.º do SIADAP impõe a regra da periodicidade: a avaliação do desempenho dos trabalhadores é de carácter anual e respeita ao desempenho do ano civil anterior[7].
Deste modo, os requisitos funcionais para avaliação são aferidos em cada ciclo avaliativo, segundo as regras do artigo 42.º do SIADAP, de modo a verificar se é possível realizar uma avaliação regular, com base nos parâmetros contratualizados previamente entre o avaliador e o avaliado.
O trabalhador que não reúna os requisitos necessários à realização desta avaliação e não tenha avaliação anterior para relevar ou pretenda a sua alteração, deve requerer a realização de avaliação por ponderação curricular, nos termos dos n.ºs 5, 6 e 7 do artigo 42.º do SIADAP.
Nesse sentido, relativamente a 2025, tendo em conta a data da cessação das funções de eleito local, não é possível concluir que tem objetivos fixados há, pelo menos, 6 meses[8], pelo que não reúne os requisitos necessários para a realização da avaliação em termos do SIADAP, com base nos parâmetros previamente contratualizados.
Nessa hipótese, releva a última avaliação, mas poderá requerer a realização de avaliação por ponderação curricular[9], mediante a avaliação do seu currículo, considerando, desta forma, a ponderação dos cargos exercidos, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do SIADAP, de acordo com os critérios aprovados em CCA.
III – Conclusões:
- O regime de férias consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 5.º. do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho (versão atualizada), constitui um regime de férias próprio e específico dos eleitos locais, que não prevê a acumulação de férias ou o seu pagamento;
- A ponderação curricular só pode ser realizada de acordo com as regras do SIADAP, previstas nos artigos 41.º, 42.º e 43.º, aplicáveis em cada ciclo de avaliação.
[1] Entre outros, Parecer DAJ-Proc. N.º 117/2022, de 09-11-2022, consultável em: Pareceres Jurídicos « Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo, I.P. ; Parecer INF_DSAJAL_LIR_7040/2017, 24-08-2017, consultável em: Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, IP - Pareceres Jurídicos; Parecer n.º 178/03, de 29 de julho 2003, consultável em: Eleitos; Férias. – ccdrc.
[2] Relatório n.º 19/2012 - 2ª Secção relativo ao Proc.26/2010 - AUDIT, consultável na página do Tribunal de Contas: Ano em detalhe
[3] Pela Lei n.º 52/2019, de 31 de julho (versão atualizada), artigo 2.º, n.º 1, al. i) Os membros dos órgãos executivos do poder local são cargos políticos. Os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos exercem as suas funções em regime de exclusividade, artigo 6.º desta Lei.
[4] Neste caso, o gozo deste direito não está condicionado à prestação de trabalho por um período mínimo de 6 meses, cf. as FAQ-DGAEP, em:3. Quais os efeitos da suspensão do vínculo de emprego público no direito a férias dos/as trabalhadores/as integrado no RGSS?
[5] A partir de 2008, com a Lei n.º 12-A/2008, de 27-02, a carreira passou a unicategorial e o seu desenvolvimento opera-se por mudança de posição remuneratória. Atualmente, os efeitos da avaliação de desempenho encontram-se regulados nos artigos 91.º e 156.º da LGTFP.
[6] Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro; Decreto-Lei n.º 51/2022, de 26 de julho; Decreto-Lei n.º 13/2024, de 10 de janeiro. Para a aplicação de cada medida, poderão ser consultadas as FAQ da DGAEP, em: DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego Público.
[7] Na redação atual, conferida pelo Decreto-Lei n.º 12/2024, de 10 de janeiro, antes desta alteração a avaliação era bienal e respeitava aos dois anos civis anteriores.
[8] Os parâmetros de avaliação são contratualizados com o início de novas funções, nos termos do artigo 45.º- B, do SIADAP.
[9] A recente revisão do SIADAP introduziu alterações nesta matéria: a avaliação por ponderação curricular deve ser solicitada pelo trabalhador até 31 de dezembro do ano que antecede a avaliação, e traduz-se na avaliação do currículo do trabalhador, referente aos últimos três anos, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do SIADAP.
