Pedido de parecer- Jornada contínua-Trabalho suplementar

A Senhora Presidente da Câmara Municipal de …, através do Ofício ref.ª MGD:46327, de 25 de julho de 2022, vem solicitar resposta a várias questões sobre trabalho suplementar no caso da jornada contínua, que é a modalidade de horário adotada nesta autarquia.

 

Para tal, são indicados os seguintes elementos:

- A jornada contínua tem início às 8 horas e termina às 14 horas e 30 minutos;

- O intervalo de descanso corresponde a 30 minutos;

- O limite máximo de duração prestação de trabalho suplementar por ano corresponde a 200 horas, previsto no instrumento de regulamentação coletiva;

- Verificam-se situações de prestação de trabalho suplementar em locais e espaços exteriores ao serviço;

- Prestação de trabalho suplementar com duração superior a 5 ou 6 horas nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar e feriados.

 

Perante estas condições, são colocadas as seguintes questões:

- A que horas de duração normal de trabalho se deve começar a contabilizar trabalho suplementar, qual o intervalo de descanso e se este é remunerado;

- Como deverá ser realizado o processamento remuneratório ou a substituição deste por descanso compensatório;

- Em que circunstâncias especiais se poderá ultrapassar o limite máximo de horas por ano;

- Como contabilizar a fração de hora;

- Como realizar o registo de trabalho suplementar nos casos em que não é possível efetuar o registo biométrico.

 

II – Análise:

 

Tendo em conta o descrito, verifica-se que as questões formuladas envolvem o trabalho prestado fora do horário de trabalho diário, bem como em dias de descanso semanal obrigatório ou complementar e nos feriados.

 

Para a compreensão da figura jurídica do trabalho suplementar importa distinguir o período normal de trabalho e o horário de trabalho.

 

O tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana (sete horas por dia/trinta e cinco horas por semana), estabelecido no artigo 105.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LGTFP[1], é o período normal de trabalho;

 

A determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário ou dos respetivos limites, bem como dos intervalos de descanso, de acordo com o n.º 1 do artigo 108.º da LGTFP, constitui o horário de trabalho.

 

A jornada contínua é uma modalidade de horário[2] que visa, tal como outras modalidades de horário de trabalho, cumprir o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, mas a sua adoção tem consequências para a determinação do início e do termo do trabalho diário.

 

E assim, é o modo como o horário é cumprido que distingue a modalidade de horário de trabalho em jornada contínua, enquanto mecanismo excecional, que se caracteriza por o trabalhador prestar a sua atividade diária de trabalho de forma ininterrupta no tempo, à exceção de um período de descanso, que nunca pode ser superior a trinta minutos e que se considera, para todos os efeitos legais, como tempo de trabalho, de acordo com o n.º 1 do artigo 114.º da LGTFP.

 

Sendo por essa razão, pela sua natureza contínua, que pressupõe uma redução não superior a uma hora, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo.

 

Esta redução, por sua vez, tem repercussão no horário de trabalho a cumprir, porque determina, de forma fixa, as horas do início e do termo do período normal de trabalho diário: neste caso, a jornada contínua tem início às 8 horas e termina às 14 horas e 30 minutos.

 

  • Em resposta ao questionado, conclui-se que a necessidade de ser prestado trabalho suplementar coloca-se além do horário fixado, depois das 14 horas e 30 minutos (e/ou antes das 8 horas).

 

Porém, para que seja possível a prestação de trabalho suplementar torna-se necessário concluir se estamos perante situações excecionais que exigem a presença do trabalhador além do seu horário de trabalho:

 

Tal só é possível quando a entidade empregadora tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho, em caso de força maior, ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para o serviço, em cumprimento do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 227.º do Código do Trabalho, aplicável por remissão do n. º 1 do artigo 120.º da LGTFP[3].

 

O trabalho suplementar assume, portanto, uma natureza excecional, transitória, porque não se destina a assegurar tarefas caracterizadas como atividade diária do serviço[4].

 

E assim sendo, conclui-se que a sua autorização exige a análise das necessidades identificadas em cada caso, que poderão ser imediatas ao termo do cumprimento diário do trabalho, ou não.

 

  • Nesse sentido, só em função do caso concreto é possível identificar quando o trabalhador é necessário e até quando.

 

Por outro lado, a prestação de trabalho suplementar não pode configurar a resolução de tarefas frequentes, relativas às atividades diárias do trabalhador, correspondentes ao posto de trabalho que ocupa no mapa de pessoal, de acordo com o n.º 1 do artigo 29.º da LGTFP[5].

 

Sendo esse o caso, é de ponderar a modalidade de horário de trabalho adotada, isto é, se esta se mostra adequada em função da natureza das atividades a assegurar.

 

Até porque, é à luz das condições excecionais do trabalho suplementar, que este fica sujeito, por trabalhador, a limites, previstos nas alíneas a) a d) do n. º 2 do artigo 120.º da LGTFP:

 

“a) 150 horas de trabalho por ano;

b) Duas horas por dia normal de trabalho;

c) Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados;

d) Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio-dia de descanso complementar.”

 

O limite máximo a que se refere a alínea a) do n.º 2 pode ser aumentado até 200 horas por ano, por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo.

 

O n.º 3 do artigo 120.º refere que os limites fixados no número anterior, alíneas a) a d) do n.º 2, podem ser ultrapassados, desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 % da remuneração base do trabalhador, nos seguintes casos:

 

“a) Quando se trate de trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço para além do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável;

 

b) Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência.”

 

Em resposta à questão colocada:

 

  • A prestação de um número de horas superior, neste caso a 200 horas por ano, só será possível desde que não seja devido montante que exceda 60% da remuneração base do trabalhador e que se trate de trabalhadores que se encontrem em qualquer das situações previstas no n.º 3 do citado artigo.

 

Em matéria de trabalho suplementar, no caso da jornada contínua, importa considerar ainda um limite específico que está relacionado também com o intervalo de descanso, porque este tempo é qualificado como tempo de trabalho, consequentemente remunerado, por força do disposto no n.º 1 do artigo 109.º da LGTFP:

 

Significa, para efeitos de trabalho suplementar a prestar nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar e nos feriados, que o número de horas deverá ser igual ao período normal de trabalho diário, em conformidade com a regra da alínea c) do n.º 2 do artigo 120.º, em consequência, a sua prestação deverá cumprir o tempo máximo de trabalho seguido, tal como impõe o n.º 4 do artigo 114.º da LGTFP.

 

Pelo que, com base nesta regra, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar e nos feriados, o trabalhador não poderá prestar mais de 5 horas de trabalho consecutivo, tal como vem descrito no pedido.

 

  • De modo a garantir que o trabalhador não preste mais de 5 horas de trabalho consecutivo, deverá ser fixado um intervalo de descanso, nunca superior a 30 minutos (que para todos os efeitos se considera tempo de trabalho, cf. o n.º 1 do artigo 114.º da LGTFP).

 

De seguida, vejamos a atribuição do suplemento remuneratório:

 

A prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 162.º da LTFP:

 

  1. 25% da remuneração, na primeira hora ou fração desta;
  2. 37,5% da remuneração, nas horas ou frações subsequentes.

 

O trabalho suplementar prestado pelos trabalhadores em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar e em dia feriado confere o direito a um acréscimo de 50% da remuneração por cada hora de trabalho efetuado, previsto no n.º 2 do mesmo artigo.

 

Nos termos do n.º 3 do artigo 162.º a compensação horária, incluindo nas situações de fração de hora, é apurada segundo a fórmula prevista no artigo 155.º da LGTFP:

 

“1-O valor da hora normal de trabalho é calculado através da fórmula (RB x 12) / (52 x N), em que RB é a remuneração base mensal e N o número de horas da normal duração semanal do trabalho.

 

2-A fórmula referida no número anterior serve de base de cálculo da remuneração correspondente a qualquer outra fração de tempo de trabalho inferior ao período de trabalho diário.”

 

Esta fórmula serve de base ao cálculo da remuneração correspondente a qualquer outra fração de tempo de trabalho, nomeadamente, para determinação do acréscimo remuneratório a que o trabalhador tem direito.

 

  • Em resposta à questão colocada sobre fração de hora, conclui-se que terá que ser resolvida através daquela fórmula.

 

Quanto ao descanso compensatório, a sua possibilidade está prevista no n.º 7 do artigo 162.º, mas implica o acordo entre o trabalhador e o empregador público.

 

No caso de prestação de trabalho em dia de descanso obrigatório há lugar à aplicação do n.º 4 do artigo 229.º do Código de Trabalho, isto é, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes.

 

Por último, quanto ao registo da prestação de trabalho suplementar, a LGTFP, no seu artigo 121.º, prevê um modelo específico de registo[6], exigindo ao empregador público que possua e mantenha durante cinco anos a relação nominal dos trabalhadores que efetuaram trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas e a indicação do dia em que gozaram o respetivo descanso compensatório, para efeitos de fiscalização pela Inspeção Geral das Finanças ou por outro serviço de inspeção legalmente competente.

 

Os registos dos tempos de trabalho nos serviços abrangidos pela LGTFP obedecem às formas de registo previstas no artigo 104.º, de modo a apurar o início e o termo da prestação do trabalho, bem como dos intervalos efetuados.

 

Quando não se torne possível proceder ao registo do início e do termo, os procedimentos para a realização do trabalho suplementar, caso não constem do regulamento do horário de trabalho aprovado, devem ter por objetivo verificar todos os elementos que sustentam a realização do trabalho suplementar, desde a autorização à validação da sua prestação.

 

  • Nesse sentido, o registo poderá ser feito em livro ou noutro suporte documental adequado, designadamente em impressos adaptados a sistemas de relógio de ponto, mecanográficos ou informáticos existentes nos serviços[7].

 

III-Conclusão-Proposta:

 

No que diz respeito às questões formuladas, propõe-se transmitir o exposto.

 

Atento o conjunto de questões colocadas no presente pedido e as condições que determinam a prestação de trabalho diário, que parecem ir além do termo da jornada contínua, sublinham-se as seguintes conclusões finais:

 

  • O trabalho suplementar não pode configurar uma resposta ao funcionamento do serviço, no sentido de assegurar necessidades frequentes;

 

  • Sendo esse o caso, é de ponderar o recurso a formas de admissão de pessoal e/ou a ponderação sobre a escolha da modalidade de horário de trabalho que se mostre adequada em função da natureza das atividades a assegurar.

 

[1]Aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (redação atualizada). É aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no artigo 120.º e nos artigos seguintes, o regime do Código do Trabalho em matéria de trabalho suplementar.

[2]Neste caso, adotada por interesse do serviço, conforme previsto na alínea g) do n.º 3 do artigo 114.º da LGTFP. Este mecanismo excecional abrange, igualmente, determinadas categorias de trabalhadores, desde que que reúnam os requisitos legais previstos nas alíneas anteriores, a) a f) do n.º 3 do mesmo artigo.

 

[3] v. nota anterior, n.º 1; remissão do artigo 101.º, 120.º da LGTFP. São aplicáveis nesta matéria, os artigos 226.º, 227.º, 229.º, 230.º e 269.º, n.º 1, todos do Código de Trabalho.

[4] A violação do disposto nos n.os 1 ou 2 do artigo 227.º do Código de Trabalho, constitui contraordenação muito grave, cf. o n.º 4 do mesmo artigo.

[5] A adoção das modalidades de horário previstas o n.º 1 do artigo 110.º da LGTFP deverá dar resposta à previsão das tarefas a desenvolver, que é anualmente executada através do respetivo mapa de pessoal.

 

 

[6] Disponibilizado pela DGAEP na sua página oficial, em Formulários Técnicos - Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho.

  1. Cumprindo os requisitos i a iv da Portaria n.º 609/2009, de 5 de junho e elementos obrigatórios de suporte, de 1.º a 4.º, necessários para preencher o modelo de suporte mencionado na nota de rodapé anterior.
Data de Entrada
Número do Parecer
2022/026