Proteção da maternidade – subsídio de refeição – trabalhadoras integradas no regime de proteção social convergente (CGA) e trabalhadoras do regime da segurança social

Sobre o assunto em epígrafe, deu entrada nos serviços da CCDR Algarve, que mereceu o registo E00303-202101 de 14.01.2021, um pedido de parecer da Câmara Municipal de … através do ofício n.º 485 de 08.01.2021, no qual em síntese se questiona a conclusão do último parágrafo da informação n.º 22964, datada de 21.10.2020, sobre o assunto “Proteção da maternidade – subsídio de refeição – CGA”.

Ora vejamos os dois regimes de proteção social, convergente e segurança social:

I

A proteção social ou segurança social constitui um direito de todos os cidadãos consagrado no artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, efetivado pelo Sistema de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, na sua atual redação, que define as suas bases gerais, princípios, objetivos e estrutura.

A segurança social visa garantir aos indivíduos um conjunto de condições de vida dignas, designadamente em determinadas situações de risco social, chamadas eventualidades.

Historicamente, aplicou-se aos trabalhadores da Administração Pública (AP) um regime especial, que foi sendo designado por «regime de proteção social da função pública», cuja autonomia foi mantida pelas sucessivas leis de bases de segurança social. Por outro lado, estas leis determinaram sempre a obrigatoriedade da sua convergência com os regimes do sistema, nomeadamente o regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem. A atual Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, na sua atual redação) preconiza esta convergência no seu artigo 104.º.

O facto deste regime especial de proteção social ter nascido exclusivamente para os trabalhadores da função pública e de forma intrinsecamente ligada à relação laboral que lhe estava subjacente, também ela especial em relação à lei geral do trabalho, determinou a sua característica mais relevante que se traduziu numa relação de trabalho e numa relação de segurança social estabelecidas entre o trabalhador (o beneficiário do regime) e uma mesma entidade, que é simultaneamente o seu «empregador» e a sua «entidade de segurança social» (ou seja, os órgãos e serviços da AP). Uma mesma entidade (o empregador) que tem que assumir as responsabilidades inerentes à relação de trabalho e à relação de segurança social/proteção social, ao contrário do regime geral em que essas relações e responsabilidade são distintas.

Daí decorreu (e decorre ainda nalguns casos) que ao nível regulamentar também não houve distinção entre as duas áreas de competências, confundindo-se, por vezes, conceitos tão importantes como prestações pecuniárias pagas em contrapartida do trabalho prestado, a remuneração e prestações sociais substitutivas de rendimento de trabalho, quando este não é prestado, dando a estas o tratamento legal próprio daquelas.

Criou-se, assim, um quadro legal extremamente confuso, desequilibrado, incoerente e com grande falta de transparência sobre o direito que deve ser assegurado aos trabalhadores da AP nesta área tão importante de direitos sociais fundamentais.

A Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, define, pela primeira vez, com efeitos a 1 de janeiro de 2009, a proteção social de todos trabalhadores que exercem funções públicas de forma global, efetiva e integrada, tendo em conta o respeito pelos direitos adquiridos e em formação e o imperativo legal da realização da convergência dos regimes, seguindo-se o Decreto-lei n.º 89/2009 de 09 de abril como diploma regulamentador da proteção na parentalidade, no âmbito da eventualidade maternidade, paternidade e adoção, no regime de proteção social convergente.

Cria, por um lado, o regime de proteção social convergente (RPSC), regime fechado que abrange apenas os trabalhadores admitidos na Administração Pública até 31 de dezembro de 2005 e que estavam sujeitos ao «regime de proteção social da função pública», vulgo, inscritos na Caixa Geral de Aposentações, IP (CGA, IP).

Por outro lado, promove a integração progressiva no regime geral de segurança social (RGSS) dos trabalhadores em funções públicas, sendo nele enquadrados obrigatoriamente os que iniciaram atividade profissional na Administração Pública depois de 1 de janeiro de 2006, bem como os que, desde anos anteriores, já tinham nele sido inscritos como seus beneficiários para todas as eventualidades.

A concretização da convergência com RGSS, nomeadamente no que se refere às «regras de formação de direitos e de atribuição das prestações», determina a alteração progressiva de toda a regulamentação do RPSC, introduzindo a distinção entre as áreas do direito do trabalho e da segurança social/proteção social e as diferentes responsabilidades e competências decorrentes de cada uma. Implica também alterações em parte da regulamentação laboral, na medida em que, ao contrário do regime anterior, a remuneração deixa de ser mantida durante os períodos de ausência ao trabalho motivados pela ocorrência das eventualidades cobertas pela segurança social, passando a ser atribuída a respetiva prestação social, com natureza legal adequada, que substitui aquele rendimento perdido.

O contrato de trabalho em funções públicas, criado como regime regra para os trabalhadores da AP tornou ainda mais premente a necessidade de clarificação do regime de proteção social numa perspetiva de convergência com o RGSS, pois esta lei introduz já a separação da área laboral e da proteção social, separação que se mantém e sai reforçada com a atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

A organização do RPSC mantém, no essencial, a do anterior «regime de proteção social da função pública», ou seja, continua a ser o empregador (os órgãos e serviços), a assumir as responsabilidades e as competências da concretização do direito da proteção social, sendo que cabe à CGA, IP, a gestão das pensões. A Lei n.º 4/2009 define de forma clara e inequívoca essas responsabilidades e competências.

O sistema de financiamento do RPSC, embora deva respeitar, igualmente, os princípios e regras básicas do sistema de segurança social mantém, nesta matéria, as características anteriores, isto é, prevê o pagamento de contribuições apenas para três eventualidades - invalidez, velhice e morte -, a cargo da CGA, IP, e atribui o encargo com as restantes - doença, maternidade, paternidade e adoção (parentalidade), desemprego e acidentes de trabalho e doenças profissionais - diretamente às entidades empregadoras. O direito às prestações correspondentes a estas últimas eventualidades não depende, assim, de contribuições, mas tal circunstância não descaracteriza a natureza contributiva do RPSC, na medida em que a lei faz equivaler o exercício de funções a carreira contributiva.

As eventualidades cobertas pelo RPSC são as mesmas do RGSS, do Sistema Previdencial de Segurança Social. Até à data apenas a eventualidade maternidade, paternidade e adoção (parentalidade) está totalmente regulamentada em convergência com o RGSS, nos termos do artigo 29.º da Lei n.º 4/2009, e a velhice deu alguns passos significativos nesse sentido. Porém, a convergência nesta eventualidade está ainda longe do seu termo.

Finalmente, também a partir de 1 de janeiro de 2009, a Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, no seu artigo 114.º, distinguiu os benefícios sociais, que decorrem da relação laboral - subsistemas de saúde, ação social complementar e outros - da proteção social.

II

A proteção na maternidade e paternidade

A Lei n.º 4/84, de 5 de abril, veio consagrar e instituir o direito à maternidade e paternidade como valores sociais eminentes os quais beneficiam de proteção da sociedade e do Estado.

O seu artigo 18.º determina que: “ As faltas ao trabalho previstas nos artigos 9.º, 10.º… não determinam perda de quaisquer direitos, sendo consideradas, para todos os efeitos, como prestação efetiva de trabalho, salvo quanto à retribuição.” e no artigo seguinte dispõe que as faltas ao trabalho do artigo anterior, denominadas agora de licenças, as trabalhadoras e trabalhadores têm direito, quando abrangidos pelo regime de proteção social aplicável à função pública, á remuneração e quando abrangidos pelo sistema de segurança social, a um subsidio igual à remuneração média considerada para efeitos de cálculo de subsidio de doença.

Estes dois regimes vieram a ser regulamentados respetivamente pelos Decretos-Lei n.º 135/85, de 3 de maio, e Decreto-Lei n.º 136/85, de 3 de maio.

O primeiro, referente ao regime aplicável à função pública, era claro e inequívoco ao dispor no seu artigo 7.º que “As licenças a que se referem os artigos 9.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 4/84, de 5 de abril, e os artigos 2.º e 3.º do presente diploma são consideradas, para todos os efeitos legais, como prestação efetiva de trabalho, designadamente para efeitos de antiguidade e abono de subsídio de refeição.” – sublinhado nosso.

Esta mesma redação veio a ser mantida no artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 194/96, de 16 de outubro, diploma este que revogou o Decreto-Lei n.º 135/85, de 03 de maio.

Por outra banda, o Decreto-Lei n.º 136/85, de 3 de maio, diploma regulamentador da Lei n.º 4/84, de 5 de abril, na parte em que é aplicável aos trabalhadores abrangidos pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho, incluindo os trabalhadores agrícolas e do serviço doméstico, independentemente do desempenho de funções em regime de tempo completo ou parcial, por tempo indeterminado ou a prazo, determinava no seu artigo 9.º que “As licenças, dispensas e faltas previstas nos artigos 9.º, 10.º, 11.º, 13.º e 23.º da Lei n.º 4/84, de 5 de abril, não determinam perda de quaisquer direitos, sendo consideradas, para todos os efeitos, como prestação efetiva de trabalho, salvo quanto à remuneração.”

A diferença de redação deste artigo para o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 135/85, de 3 de maio, é compreensível se se tiver em conta que no regime do contrato individual de trabalho de índole privado, as partes no âmbito da sua liberdade de contratação podem convencionar as cláusulas que lhes aprouver nomeadamente quanto ao abono ou não de subsídio de refeição.

Cumpre antes do mais perceber que a remuneração, no seu sentido lato, integra as seguintes componentes:

 - Remuneração base;

 - Suplementos remuneratórios;

 - Prémios de desempenho.

Sendo que a remuneração base é o montante pecuniário correspondente o nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na categoria de que é titular (ou do cargo exercido em comissão de serviço).

Os suplementos remuneratórios, desdobram-se em suplementos transitórios e suplementos permanentes. Estando, nos primeiros, incluídos o trabalho suplementar, o trabalho noturno, as ajudas de custo e o subsídio de transporte. Nos segundos, integrados o trabalho por turnos, o secretariado de direção e o abono para falhas.

Donde daqui decorre que o subsídio de refeição não integra qualquer destes suplementos remuneratórios e, portanto, não ser considerado como tal.

O subsídio de refeição a atribuir aos trabalhadores da função pública foi instituído, inicialmente, pelo Decreto-Lei n.º 305/77, de 29 de julho, a que se lhe seguiram o Decreto-Lei n.º 57-B/84 de 20 de fevereiro, alterado o seu n.º 1 do artigo 2.º pelo Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de maio (artigo n.º 42, n.º 4).

Como é sabido, a Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e respetivo Regulamento, determinava no artigo 75.º deste mesmo Regulamento (Anexo II) sob a epígrafe “Regime das licenças, dispensas e faltas” o seguinte: “1 –As licenças, dispensas e faltas previstas no artigo 32.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo do Regime não determina perda de quaisquer direitos, sendo considerados como prestação efectiva de serviço para todos os efeitos, salvo quanto à remuneração.”.

Mais determinava no seu artigo 22.º (Anexo I) do Regime sob a epígrafe Protecção da maternidade, paternidade e adopção que: “A entrada em vigor do diploma que regular a matéria da protecção da maternidade e da paternidade, revogando as disposições dos artigos 33.º a 52.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e dos artigos 66.º a 113.º da respectiva regulamentação, aprovada pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, determina a cessação da vigência dos artigos 24.º a 43.º do Regime e 40.º a 86.º do Regulamento, aplicando-se de imediato aos trabalhadores que exerçam funções públicas, nas modalidades de contrato de trabalho em funções públicas e de nomeação, com as necessárias adaptações, o disposto naqueles diplomas sobre a mesma matéria.

A publicação da Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro, veio proceder à quarta alteração à Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, revogando a anterior redação do artigo 76.º do Regulamento que determinava sob a epígrafe “Subsídio de refeição” o seguinte: “1 - O direito ao subsídio de refeição é mantido em todas as situações previstas nos artigos 26.º, 27.º, 29.º, 30.º e 32.º, no n.º 3 do artigo 38.º e na alínea c) do n.º 4 do artigo 40.º do Regime.”

Porém, a Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, só veio a ser revogada expressamente pelo artigo 42.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, que aprovou em anexo a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP).

Por força do disposto no artigo 4.º desta Lei, é aplicável ao vínculo de emprego público por remissão, o disposto no Código do Trabalho e respetiva legislação complementar com as exceções legalmente previstas nomeadamente em matéria de parentalidade.

Neste particular somos convocados a visitar o disposto no artigo 65.º, alínea d), do Código do Trabalho que sob a epígrafe “Regime de licenças faltas e dispensas” dispõe: “1 - Não determinam perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição, e são consideradas como prestação efectiva de trabalho as ausências ao trabalho resultantes de:


d) Licença parental, em qualquer das modalidades;

Note-se que, desde a criação do subsídio de refeição até hoje, os trabalhadores da administração pública, independentemente de integrarem o regime de proteção social convergente ou do regime da segurança social têm vindo a perceber o subsídio de refeição sempre que se verifique prestação efetiva de trabalho.

Ora, se as ausências ao trabalho resultantes do gozo de licença parental em qualquer das suas modalidade, são consideradas como prestação efetiva de trabalho, não determinando a perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição, então forçoso será de concluir, que nessa eventualidade, se mantem o direito a perceber o subsidio de alimentação quer para os trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente quer para os restantes trabalhadores do regime social, uma vez que os mesmos estão subordinados à mesma entidade empregadora pública e o princípio da igualdade constante nos artigos 23.º e seguintes do Código do trabalho a isso obriga.

É o que cumpre informar sobre o solicitado.

Data de Entrada
Número do Parecer
2021/002