Solicitação de Parecer sobre Direitos de Herdeiros de Funcionário Falecido
I - O pedido:
O Senhor Presidente da Junta de Freguesia…, através de email de 12 de setembro de 2025, vem solicitar “a emissão de parecer sobre a situação abaixo descrita, relativa ao vínculo laboral de um seu funcionário, pertencente ao Regime Geral de Segurança Social (RGSS), falecido em 12 de setembro de 2025.
O referido trabalhador prestou funções nesta autarquia até ao dia 5 de junho de 2025, data a partir da qual se ausentou por motivo de baixa médica, situação que se manteve até à data do seu falecimento (12/09/2025).
Verifica-se que, à data do falecimento, o trabalhador tinha ainda 12 (doze) dias de férias referentes ao ano de 2025 por gozar, tendo recebido em junho o subsídio de férias.
Nesse sentido, solicitamos parecer sobre:
- A obrigatoriedade ou não do pagamento aos herdeiros legais do montante correspondente às férias não gozadas (12 dias);
- A obrigatoriedade do pagamento do proporcional subsídio de Natal/25.”
II - Análise:
A morte do trabalhador em funções públicas configura uma causa de caducidade do vínculo de emprego público. Esta forma de extinção do vínculo está prevista na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (versão atualizada), mais especificamente nos artigos 289.º e 291.º que tratam das causas comuns de extinção do vínculo.
Assim, de acordo com a alínea b) do artigo 291.º da LTFP, o vínculo de emprego público caduca, entre outras situações, em caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestação de trabalho pelo trabalhador, conforme sucede neste caso.
Sendo esta a causa de extinção do vínculo, após o falecimento do titular do direito à remuneração de férias não gozadas, questiona-se se esta remuneração, sendo um direito do trabalhador, constitui objeto de transmissão por morte, no sentido de crédito de herança do mesmo[1], ou seja, se a retribuição em dívida poderá ser reclamada pelos herdeiros.
Em auxílio a esta resposta, destaca-se a decisão proferida no Acórdão de 6 de novembro de 2018, Bauer, C-569/16 e C-570/16, do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 6 de novembro de 2018[2], que distingue, quanto ao direito a férias, duas vertentes:
“(…) que a morte do trabalhador tem como consequência inevitável que este já não possa gozar do tempo de repouso e de descontração decorrente do direito a férias anuais remuneradas a que tinha direito. Contudo, o aspeto temporal é apenas uma das duas vertentes do direito a férias anuais remuneradas, o qual constitui um princípio essencial do direito social da União e está expressamente consagrado como direito fundamental na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («a Carta»).
Este direito fundamental compreende igualmente um direito à obtenção de um pagamento no momento dessas férias, bem como, enquanto direito inerente a este direito a férias anuais «remuneradas», o direito a uma retribuição financeira a título das férias anuais não gozadas no momento da cessação da relação de trabalho.
Esta vertente financeira é de natureza estritamente patrimonial e, como tal, destina-se a entrar no património do interessado, de modo que a morte deste não pode privar retroativamente o referido património e, consequentemente, aqueles a quem este é entregue por via sucessória, do gozo efetivo desta componente patrimonial do direito a férias anuais remuneradas.”
Com estes fundamentos, conclui-se neste Acórdão, que os herdeiros de um trabalhador falecido podem exigir uma retribuição financeira pelas férias anuais remuneradas que estes não gozaram.
O princípio enunciado, do “direito a férias anuais «remuneradas», o direito a uma retribuição financeira a título das férias anuais não gozadas no momento da cessação da relação de trabalho”, está refletido na legislação portuguesa, no âmbito da LGTFP, que consagra o princípio fundamental do direito à remuneração do período de férias, no artigo 152.º, enquanto norma geral aplicável em matéria de remuneração, e no regime estabelecido no artigo 245.º do Código do Trabalho[3], sobre os efeitos da cessação definitiva de funções, aplicável aos trabalhadores com vínculo de trabalho em funções públicas, por força da remissão prevista no n.º 1 do artigo 126.º da LGTFP[4].
Significa, portanto, que no momento da cessação do vínculo de emprego público, há lugar a um “apuramento” de remunerações a pagar, da seguinte forma:
“Artigo 245.º
Efeitos da cessação do contrato de trabalho no direito a férias
1 - Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição de férias e respetivo subsídio:
a) Correspondentes a férias vencidas e não gozadas;
b) Proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação.
2 - No caso referido na alínea a) do número anterior, o período de férias é considerado para efeitos de antiguidade.
3 - Em caso de cessação de contrato no ano civil subsequente ao da admissão ou cuja duração não seja superior a 12 meses, o cômputo total das férias ou da correspondente retribuição a que o trabalhador tenha direito não pode exceder o proporcional ao período anual de férias tendo em conta a duração do contrato.
4 - Cessando o contrato após impedimento prolongado do trabalhador, este tem direito à retribuição e ao subsídio de férias correspondentes ao tempo de serviço prestado no ano de início da suspensão.
5 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 1.”
Aplicando estas regras ao caso concreto:
- O trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao período de férias vencido em 1 de janeiro de 2025, caso não tenha usufruído dessas férias antes de iniciar a baixa;
- Quanto ao subsídio de férias correspondente, conforme resulta da informação fornecida, a entidade empregadora procedeu ao pagamento do subsídio de férias em junho, obrigação essa que decorre dos n.ºs 2 e 3 do artigo 152.º da LTFP;
- O trabalhador tem direito a férias proporcionais ao tempo de serviço prestado até ao início da baixa (5 de maio de 2025)[5], juntamente com o respetivo subsídio.
Por último, quanto ao subsídio de Natal:
- Da mesma a forma, o trabalhador tem direito ao subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 151.º da LGTFP, que será calculado proporcionalmente ao tempo de serviço efetivamente prestado (até 5 de maio de 2025).
Em resultado da aplicação destas regras, os direitos relativos ao pagamento de férias vencidas e proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação, correspondentes subsídios de férias e subsídio de Natal, devem ser assegurados, sendo que os montantes correspondentes serão integrados no processo de liquidação dos direitos do trabalhador.
Para o pagamento das retribuições financeiras em causa os herdeiros deverão apresentar um requerimento formal à entidade empregadora do trabalhador falecido, acompanhado dos documentos necessários a comprovar os factos: certidão de óbito do trabalhador, certidão de habilitação de herdeiros[6] e identificação dos herdeiros e respetivos dados bancários para pagamento.
III – Em conclusão:
1.ª questão:
No caso de falecimento do trabalhador, os seus herdeiros, desde que habitados para tal, têm direito a receber os valores correspondentes às férias não gozadas, e respetivo subsídio, uma vez que o vínculo laboral é extinto e os direitos patrimoniais do trabalhador são transmitidos aos seus herdeiros.
2.ª questão:
O subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 151.º da LGTFP, deverá, igualmente, ser pago.
[1]No âmbito do IRS, sobre “Pagamento de rendimentos de trabalho dependente a cabeça de casal por óbito do trabalhador”, sugere-se a consulta da Informação Vinculativa da Autoridade Tributária n.º 773/2018, de 24-04-2018, disponível para consulta no Portal das Finanças em: Informações Vinculativas.
[2] EUR-Lex - 62016CJ0569 - EN - EUR-Lex
[3] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (versão atualizada).
[4] Com a entrada em vigor da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, o regime de férias aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público passou a ser o previsto no Código do Trabalho, artigos 237.º e seguintes, com as especificações constantes dos artigos 126.º a 132.º da LGTFP. Cf. FAQ da DGAEP - X – Férias, em: DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego Público
[5] Na sequência da suspensão verifica-se a cessação do vínculo sem que o/a trabalhador/a regresse ao serviço. Se o/a trabalhador/a se encontra com o vínculo de emprego público suspenso e este vier a cessar na sequência da suspensão (por exemplo, por aposentação ou reforma), este tem, ainda, direito à remuneração e ao subsídio de férias correspondentes ao tempo de serviço prestado no ano de início da suspensão do vínculo - Cf. FAQ da DGAEP XI-B - Efeitos da suspensão do vínculo nas férias do/a trabalhador/a do RGSS, em: DGAEP - Direção-Geral da Administração e do Emprego Público.
[6] De acordo com os artigos 2131.º do Código Civil, se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos. Pela ordem e segundo as regras do artigo 2132.º do mesmo Código, são herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o Estado.
