Eleitos locais a meio tempo - 2022

Deu entrada, nesta CCDR Algarve, email datado de 20.01.2022, da Junta de Freguesia de …, que mereceu o registo Filedoc n.º E00506-202201-AUT, de 20.01.2022, sobre o assunto “Pedido de esclarecimento - Autarcas a meio tempo 2022”.

Foi colocada uma situação factual e colocadas seis questões.

A situação factual diz respeito a uma trabalhadora da junta de freguesia, a exercer as suas funções a tempo inteiro, que exerce o cargo de presidente da mesma junta, recebendo por isso uma compensação mensal.

Questão 1.

Pode ou não exercer o cargo de presidente de junta a meio tempo?

Questão 2.

Uma vez que a Lei n.º 69/2021, de 20.10, não especifica horários para desempenhar as funções de presidente, pode desempenhar as funções de funcionária dessa autarquia com horário contínuo e posteriormente (em pós-laboral) desempenhar as funções de presidente da junta a meio tempo?

Questão 3.

Para ser presidente da junta a meio tempo é necessária aprovação ou ser dado conhecimento à Assembleia de Freguesia (alínea q) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 75/2013, de 12.09)?

Questão 4.

Não podendo ser presidente da junta a meio tempo, pode atribuir a qualquer um dos 2 restantes membros da junta o exercício das suas funções em regime de meio tempo?

Questão 5.

Pode ou não repartir o meio tempo pelos 2 restantes membros da junta?

Questão 6.

No caso de ser funcionária da câmara municipal (independentemente do cargo), pode exercer as funções de presidente da junta a meio tempo?

Vejamos:

A Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro, procedeu à sétima alteração à Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias.

Esta lei modifica, concretamente, o seu artigo 27.º, que regula o exercício de funções a tempo inteiro e a meio tempo. O intuito do autor da iniciativa desta lei refere pretender «aprofundar a descentralização e a subsidiariedade no exercício de competências pelas autarquias locais» e criar «condições para que todas as juntas de freguesia possam contar, pelo menos, com um membro eleito a meio tempo», objetivos consagrados no Programa do XXII Governo Constitucional.

Para o efeito, procedeu à alteração do n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, aí passando a constar que a presidência de freguesia pode ser exercida em regime de meio tempo, em todas as freguesias e elimina os limites de número de eleitores e de área da circunscrição territorial da junta de freguesia para o exercício do mandato em regime de meio tempo.

A revogação da alínea a) do número 3 do artigo 27.º da mesma Lei garante que o exercício do mandato a meio tempo é sempre remunerado, independentemente do número de eleitores e o aditamento do número 8 ao artigo 27.º estabelece os termos em que essa remuneração será realizada.

Esta lei é composta por quatro artigos: o primeiro identifica o seu objeto, o segundo altera o artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, o terceiro procede à revogação da alínea a) do n.º 3 do já mencionado artigo 27.º e o quarto artigo refere-se à sua entrada em vigor e produção de efeitos.

Dito isto, e passando a responder à primeira questão dir-se-á.

Questão 1.

Conforme já nos referimos acima, acerca da nova redação do n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 69/2021, de 20 de outubro, “Em todas as juntas de freguesias o presidente pode exercer o mandato em regime de meio tempo”, donde a resposta a esta primeira questão é positiva.

Questão 2.

1 - Nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 114.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, a jornada contínua consiste na prestação ininterrupta de trabalho, salvo um período de descanso não superior a 30 minutos, o qual se considera tempo de trabalho.

Deve ocupar predominantemente um dos períodos do dia (manhã ou tarde) e determinar uma redução do período normal de trabalho nunca superior a 1 hora.

A jornada contínua pode ser adotada nos casos de horários específicos e em casos excecionais devidamente fundamentados, designadamente (n.º 3 do artigo 114.º):

“a) Trabalhador progenitor com filhos até à idade de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica;

b) Trabalhador adotante, nas mesmas condições dos trabalhadores progenitores;

c) Trabalhador que, substituindo-se aos progenitores, tenha a seu cargo neto com idade inferior a 12 anos;

d) Trabalhador adotante, tutor ou pessoa a quem foi deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como o cônjuge ou a pessoa em união de facto com qualquer daqueles ou com progenitor, desde que viva em comunhão de mesa e habitação com o menor;

e) Trabalhador estudante;

f) No interesse do trabalhador, sempre que outras circunstâncias relevantes, devidamente fundamentadas, o justifiquem;

g) No interesse do serviço, quando devidamente fundamentado.”

E, finalmente, o n.º 4 deste mesmo artigo determina que: “O tempo máximo de trabalho seguido, em jornada contínua, não pode ter uma duração superior a cinco horas.”

Sob a epígrafe “Limites máximos dos períodos normais de trabalho” os n.ºs 1 e 2 do artigo 105.º da LTFP dispõem o seguinte:

“1 - O período normal de trabalho é de:

a) Sete horas por dia, exceto no caso de horários flexíveis e no caso de regimes especiais de duração de trabalho;

b) 35 horas por semana, sem prejuízo da existência de regimes de duração semanal inferior previstos em diploma especial e no caso de regimes especiais de duração de trabalho.

2 - O trabalho a tempo completo corresponde ao período normal de trabalho semanal e constitui o regime regra de trabalho dos trabalhadores integrados nas carreiras gerais, correspondendo-lhe as remunerações base mensais legalmente previstas.”

O regime de meio tempo a que se reportam as funções dos autarcas implica o exercício do respetivo cargo correspondente a metade do período normal de trabalho constante nos dois números anteriores do artigo 105.º, ou seja o equivalente a serviço efetivo de 3,5h por dia/17,5h por semana.

Ora, estando o limite máximo consignado nas 35 horas semanais, a estas não poderão ser acrescidas as 17,5 horas correspondentes ao meio tempo do regime a que se reporta a nova redação do n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na redação dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 69/2021 de 20 de outubro.

Daqui não ser possível a situação colocada pela consulente, porém, chamamos a atenção para a resposta à questão 6.

Questão 3.

Para o exercício de funções do presidente da Junta a meio tempo, é necessário a junta apresentar proposta à assembleia de freguesia, a quem compete verificar a conformidade dos requisitos relativos ao exercício de funções a tempo inteiro ou a meio tempo do presidente da junta nos termos da alínea q) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro.

Questão 4.

Na secção III, sob o título “Da junta de freguesia”, o n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, sob a epígrafe “Repartição do regime de funções” determina:

1 – O presidente pode atribuir a um dos restantes membros da junta o exercício das suas funções em regime de tempo inteiro ou meio tempo”.

Assim é possível atribuir a um dos dois membros da junta o exercício de funções em meio tempo.

Questão 5.

Não existe norma habilitante/permissiva para que seja repartido um regime de meio tempo por dois membros da junta pelo que se encontra prejudicada uma resposta afirmativa (princípio da legalidade).

Questão 6.

Importa desde logo, clarificar que os eleitos locais não podem ser prejudicados na respetiva colocação ou emprego permanente por virtude de desempenho dos seus mandatos[1], e sendo funcionários públicos, se desempenharem funções em regime de tempo inteiro ou de meio tempo, consideram-se em comissão extraordinária de serviço público (artigo 22.º do Estatuto dos Eleitos Locais, aplicável às freguesias pelo artigo 11.º da Lei n.º 11/96).

No caso do presidente da junta de freguesia a meio tempo, sendo simultaneamente trabalhador do município com contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado e a tempo inteiro, não pode, pelo facto de exercer funções autárquicas, ser prejudicado no seu regime de origem.

Por outro lado, também o município não pode ser prejudicado pelo facto do trabalhador não poder executar o total de horas de trabalho devidas a tempo completo conforme decorre do seu contrato inicial.

Como deverão, então, ser compatibilizadas estas duas situações?

Atendendo a que o desempenho de funções de presidente da junta da freguesia é efetuado em regime de meio tempo, em comissão de serviço extraordinária, o outro meio tempo restante deverá ser prestado no município respetivo, com o qual o trabalhador tem contrato de trabalho, agora com redução do período normal de trabalho[2], em regime de tempo parcial nos termos do disposto no artigo 155.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual (Código do Trabalho), por remissão do artigo 68.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho que aprova a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP). Assim, terá que ser, sempre, materializado esse acordo, por escrito, com a entidade empregadora.

É o que sobre as questões colocadas nos cumpre informar.

À consideração superior

 

[1] Aliás, o n.º 2 do artigo 50.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Direito de acesso a cargos públicos”, determina: “2. Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos.”

[2] Artigo 276.º, n.º 1, da LTFP que dispõe: “1 - A redução do período normal de trabalho ou a suspensão do vínculo de emprego público pode fundamentar-se na impossibilidade temporária, respetivamente, parcial ou total, da prestação do trabalho, por facto respeitante ao trabalhador, e no acordo das partes.”

Data de Entrada
Número do Parecer
2022/005