Contratação Pública – recurso ao disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 27.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua atual redação.

A Câmara Municipal de … através do seu ofício com a refª: S-…/2022/14937, de 07.09.2022, solicita parecer jurídico relativo à matéria acima epigrafada com o seguinte enquadramento:

Foi tomada decisão de contratar, em 19.08.2022, no âmbito do procedimento de contratação pública para a aquisição de serviços de patrocínio judiciário, com o preço base de €214.900,00 + iva, com recurso a ajuste direto nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 27 do CCP, que se encontra em fase de adjudicação;

Torna-se necessário proceder à abertura de novo procedimento, com vista à aquisição de serviços de assessoria jurídica, com o preço base de €190.000,00+IVA, ao abrigo da mesma disposição (al. b) do n.º 1 do art.º 27.º do CCP), sendo que o respetivo caderno de encargos prevê ainda o pagamento pelo contratante público do montante estimado de €50.000,00 para fazer face a “despesas, incluindo, sem limitação, as despesas de comunicações, transporte, alojamento, alimentação e deslocação de meios humanos ou outras diretamente relativas à prestação de serviços”, despesas cujo valor não está incluído no preço base de €190.000,00+IVA.

Solicita-se a emissão de parecer quanto à possibilidade de ser desenvolvido novo procedimento com recurso ao disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 27.º do CCP e sobre se o valor das despesas (deslocação, alimentação, alojamento) deveria estar incluído no preço base fixado no caderno de encargos e objeto de fixação de valores limite unitários.”

Vejamos:

I – ENQUADRAMENTO GERAL

Nos termos do artigo 1154.º do Código Civil Português, o contrato de prestação de serviços, é definido como: … aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outro certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”

Para o exercício de funções públicas, pode ser celebrado contrato de prestação de serviços para a prestação de trabalho, em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho, numa das seguintes modalidades:

  • Contrato de tarefa: sempre que esteja em causa a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional; o contrato não pode exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido;
  • Contrato de avença: quando o objeto do contrato for a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal; o contrato pode ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.

São requisitos cumulativos da celebração de contratos de prestação de serviços:

  • A execução de trabalho não subordinado, para a qual se revele inconveniente o recurso a qualquer modalidade de vínculo de emprego público;
  • A observância do regime legal de aquisição de serviços;
  • A comprovação pelo prestador do serviço da regularidade da sua situação fiscal e perante a segurança social.

São nulos os contratos que forem celebrados para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.

A celebração ou renovação de contratos de prestação de serviços (tarefa e avença) está dependente de parecer prévio vinculativo dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, que no caso das autarquias locais compete ao órgão próprio.

A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP – Lei n.º 35/2014, de 20.06) aplicável ex. vi artigo 1.º, n.º 2, à administração autárquica com as necessárias adaptações, dispõe no seu artigo 10.º sob a epígrafe “Prestação de serviço” o seguinte:

“1 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho.

2 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas pode revestir as seguintes modalidades: a) Contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido; b) Contrato de avença, cujo objeto é a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.

3 - São nulos os contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.

4 - A nulidade dos contratos de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável.”

Quer o contrato de tarefa quer o contrato de avença estão, pois, subordinados ao regime do Código da Contratação Pública (CCP) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, na sua atual redação.

Determina o artigo 18.º deste diploma que, sem prejuízo do disposto nos Capítulos III (escolha do procedimento em função de critérios materiais) e IV (outras regras de escolha do procedimento), do Título I, da Parte II, a escolha dos procedimentos de ajuste direto, de consulta prévia, de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação deve ser feita tendo por base o valor do contrato a celebrar, nos temos do disposto nos artigos 19.º a 22.º bem como dos n.ºs 2 e 3 do artigo 32.º.

No âmbito da tomada de decisão de contratar, um dos elementos primários a ser definido é o do valor (estimado) do contrato. Isto porque é em função do valor do contrato que a entidade adjudicante irá optar por um dos procedimentos pré-contratuais existentes quais sejam: a) o recurso ao ajuste direto, para aquisição de serviços no caso do contrato ser de valor inferior a €20.000,00, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 20.º; b) Consulta prévia, com convite a pelo menos três entidades, quando o valor do contrato seja inferior a €75.000,00 ; c) recurso aos procedimentos de concurso público e de concurso limitado por prévia qualificação dependerá de haver lugar ou não à publicação do concurso no JOUE, na medida em que, se houver, o contrato poderá assumir qualquer valor, se não, a entidade só poderá adotar este tipo de procedimentos quando o valor do contrato seja abaixo dos limiares europeus, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 20.º do CCP.

Não obstante, independentemente do valor do contrato, o Capítulo III do Título II do CCP, estabelece em que circunstâncias a entidade adjudicante poderá proceder à escolha do procedimento pré-contratual, “sem prejuízo das exceções expressamente previstas” (artigo 23.º do CCP).

O artigo 24.º sob a epígrafe “Escolha do ajuste direto para a formação de quaisquer contratos” determina que a entidade adjudicante pode recorrer ao ajuste direto, qualquer que seja o objeto do contrato a celebrar, bem como o seu valor, no caso de: a) Em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, nenhum concorrente tenha apresentado proposta, todas as propostas tenham sido excluídas com fundamento na primeira parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º, nenhum candidato se haja apresentado, ou todas as candidaturas tenham sido excluídas com fundamento nas alíneas c), j) ou l) do n.º 2 do artigo 184.º; b) Em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação para a formação de contratos de valor inferior aos limiares referidos nos n.os 2, 3 ou 4 do artigo 474.º, consoante o caso, todas as propostas ou todas as candidaturas tenham sido excluídas; c) Na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante; d) As prestações que constituem o seu objeto se destinem, a título principal, a permitir à entidade adjudicante a prestação ao público de um ou mais serviços de telecomunicações; e) As prestações que constituem o objeto do contrato só possam ser confiadas a determinada entidade por uma das seguintes razões: i) O objeto do procedimento seja a criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico; ii) Não exista concorrência por motivos técnicos; iii) Seja necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual.

Por outro lado, para além dos casos previstos no artigo 24.º, a entidade adjudicante pode ainda recorrer ao ajuste direto para aquisição de serviços, independentemente do valor do contrato, nos casos previstos no artigo 27.º do CCP.

Ora, este artigo dispõe que “sem prejuízo do disposto no artigo 24.º, no caso de contratos de aquisição de serviços, pode adotar-se o ajuste direto quando”: (i) se pretende adquirir novos serviços que consistam na repetição de similares a serviços anteriormente contratados pela mesma entidade adjudicante com o mesmo adjudicatário e cumulativamente: a) esses serviços estejam em conformidade com um projeto base comum; b) aquele contrato tenho sido celebrado, há menos de três anos, na sequência de concurso público, de concurso limitado por prévia qualificação, de procedimento de negociação, de diálogo concorrencial ou de parceria para a inovação; c) o anúncio do procedimento tenha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia, no caso de o somatório do valor estimado do contrato e do preço contratual relativo ao contrato inicial ser igual ou superior ao valor referido, consoante os casos, nas alíneas b) ou c) do n.º3 do artigo 474.º; e d) a possibilidade de adoção do ajuste direto tenha sido indicada no anúncio ou no programa do concurso; (ii) seja impossível definir critérios de comparação das propostas, em função da sua natureza; (iii) se pretende adquirir serviços relativos a contratos sobre imóveis; (iv) se trate da aquisição de serviços de arbitragem, conciliação ou mediação; (v) se pretenda adquirir serviços de investigação e desenvolvimento; (vi) se vise a aquisição de serviços na sequência de um concurso de conceção; (vii) se trate de serviços adquiridos ao abrigo de acordos-quadro; e por fim (viii) se trate de serviços adquiridos em condições especialmente vantajosas.

O acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva encontra-se constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa quando dispõe no seu n.º 1 que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos,” e do seu n.º 2, que “Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”.

O patrocínio judiciário consiste na representação e assistência técnica das partes por profissionais do foro que conduzem técnico-juridicamente o processo, mediante a prática de atos processuais adequados e respeitando as regras legais[1].

Nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 66.º do EOA[2] é aos advogados que a lei confere estes poderes de representação, sendo que o “patrocínio forense por advogado constitui um elemento essencial na administração da justiça e é admissível em qualquer processo, não podendo ser impedido perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada”, segundo o n.º 1 do artigo 12.º da LOSJ[3].

O n.º 1 do artigo 11.º do CPTA[4], sob a epígrafe “Patrocínio Judiciário e representação em juízo”, dispõe: “Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público”.

Ora, na eventualidade das entidades públicas figurarem como partes no âmbito de um processo administrativo, e verificando-se inexistência de recursos internos capazes de fazer face a imposição do n.º 1 do artigo 11.º do CPTA, a lei permite que estas entidades recorram à contratação de serviços externos, em particular à contratação de serviços prestados por advogados.

Note-se que o recurso à contratação externa só é possível quando a entidade fundadamente demonstre a inexistência de recursos humanos internos necessários para colmatar tal necessidade.

É este aliás o comando expresso nos n.ºs 1 e 2 do artigo 59.º da LOE[5] de 2022 quando dispõem: “1 - Os estudos, pareceres, projetos e serviços de consultoria, bem como quaisquer trabalhos especializados e a representação judiciária e mandato forense, devem ser realizados por via dos recursos próprios das entidades contratantes.” e “ 2 - A decisão de contratar a aquisição de serviços ao setor privado, cujo objeto sejam estudos, pareceres, projetos e serviços de consultoria ou outros trabalhos especializados, incluindo a renovação de eventuais contratos em vigor, apenas pode ser tomada em situações excecionais devidamente fundamentadas, desde que demonstrada a impossibilidade de satisfação das necessidades por via de recursos próprios da entidade contratante e após autorização do membro do Governo da área setorial, podendo esta competência ser delegada no dirigente máximo do serviço.”- sublinhado nosso.

II – A QUESTÃO CONTROVERTIDA

É questionado “quanto à possibilidade de ser desenvolvido novo procedimento com recurso ao disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 27.º do CCP e sobre se o valor das despesas (deslocação, alimentação, alojamento) deveria estar incluído no preço base fixado no caderno de encargos e objeto de fixação de valores limite unitários.”

Na sequência do atrás exposto, importa desde logo referir que o regime jurídico de realização de despesas públicas e da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços aprovado pelo Decreto-Lei n.º 197/99, no seu artigo 16.º sob a epígrafe “Unidade da despesa”, consagra o chamado “Princípio da Unidade da Despesa” isto é, nos termos do seu n.º 1 , “…a despesa a considerar é a do custo total da locação ou da aquisição de bens ou serviços” sendo proibido nos termos do seu n.º 2 “ … o fracionamento da despesa com a intenção de a subtrair ao regime previsto no presente diploma.”, secundado este mesmo princípio, o n.º 8 do artigo 17.º do CCP dispõe: “ O valor do contrato não pode ser fracionado com o intuito de o excluir do cumprimento de quaisquer exigências legais, designadamente, das constantes do presente Código.”

Por outro lado, o n.º 1 deste mesmo artigo 17.º, determina que o “…valor do contrato a celebrar é o valor máximo do benefício económico que pode ser obtido pelo adjudicatário com a execução de todas as prestações que constituem o seu objeto.”

Ora, o serviço de assessoria jurídica pretendido, tem o preço base de €190.000,00 +IVA a que acresce o montante de €50.000,00 para cobrir despesas de deslocação, alimentação, alojamento etc., resultando a soma destas duas parcelas por efeito do princípio da unidade da despesa o valor total de € 240.000,00.

Assim, por força do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 474.º do CCP, o valor máximo permitido para a contratualização dos serviços de assessoria jurídica pretendidos, é fixado em €215.000,00, pelo que sendo ultrapassado este limiar, como é o caso, não é permitido o recurso ao ajuste direto (n.º 3 do art.º 27.º do CCP).

Acresce referir que, ainda que o valor do preço base do novo procedimento seja inferior aos limiares europeus previstos na alínea c) do n.º 3 do art.º 474.º do CCP, entendo o seguinte:

  1. A prestação de serviços de assessoria jurídica, ao contrário da aquisição de serviços de patrocínio judiciário, dada a natureza da prestação de serviços, não pressupõe uma relação de confiança entre as partes;
  2. A fundamentação da decisão de contratar, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 36.º do Código dos Contratos Públicos, deverá ser objetiva e clara, uma vez que o procedimento por ajuste direto com fundamento no art.º 27.º reveste caráter excecional;
  3. Assim, merecerá cautela, por parte do órgão decisor, a escolha do procedimento a adotar.

É o que nos cumpre informar sobre o solicitado.

 

[1] Parecer n.º 18/PP/2020-C, Ordem dos Advogados, Conselho Regional de Coimbra, Relator António Sá Gonçalves.

[2] Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei n. º 145/2015 de 9 de setembro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 23/2020, de 6 de julho e da Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro.

[3] Lei da Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto na sua atual redação.

[4] Código de Processo nos Tribunais Administrativos aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro na sua atual redação.

[5] Lei do Orçamento do Estado – Aprovada pela Lei n.º 12/2022, de 27 de junho.

Data de Entrada
Número do Parecer
2022/032