Exercício de cargo de eleito local em regime de meio tempo com acumulação de emprego público

Deu entrada, nesta CCDR Algarve, email datado de 17.12.2021 da Junta de Freguesia de …, e que mereceu o registo sob o n.º E09309-202112-AUT, de 17.12.2021, sobre o assunto em epígrafe.

A questão concreta:

“Ao membro do executivo, secretário, foi concedido o regime de meio tempo. Contudo, esse membro é funcionário público e tem um contrato por tempo indeterminado na Câmara Municipal de …. Seria objetivo acumular o trabalho a tempo inteiro na Câmara Municipal com o meio tempo na Junta de Freguesia, uma vez que nesta poderá realizar o seu trabalho, nomeadamente, ao fim do dia e fins de semana.

Referem os serviços da autarquia onde é funcionário que: “poderá exercer o seu mandato autárquico em regime de meio tempo, desde que o faça em comissão extraordinária de serviço público, devendo para isso suspender o seu contrato na origem na mesma proporção (meio tempo).

A interpretação da Câmara Municipal está correta?

Estando correta, questiona-se se essa mesma interpretação se mantem para um funcionário de uma empresa privada ou uma empresa municipal que não se rege pela Lei do Trabalho em Funções Públicas.”.

Vejamos:

Os eleitos locais estão legalmente definidos como os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias.

A Lei que consagra esta definição é a Lei nº 29/87, de 30/06, alterada pelas leis n.ºs 97/89, de 15.12; 1/9, de 10.01; 11/91, de 17.05; 11/96, de 18.04; 127/97, de 11/12; 50/99, de 24.06; 86/2001, de 10.08; 22/2004, de 17.06; 52-A/2005, de 10.10; 53-F/2006 de 29.12; 2/2020 de 31.03 –, a que doravante nos referiremos como o Estatuto dos Eleitos Locais (EEL).

Nem todos os direitos e deveres dos eleitos locais estão regulados exaustivamente no EEL, constando, por exemplo, alguns dos direitos dos eleitos das freguesias da Lei n.º 11/96, de 18 de abril, na sua redação atual.

Desde logo, os autarcas são eleitos locais e não funcionários públicos, pelo que o regime jurídico destes só lhes é aplicável se o seu próprio estatuto de eleitos (constante dos diplomas que acima citámos) remeter a estatuição de certas matérias para o regime da função pública. Tal só ocorre se e quando houver remissão para o regime da função pública. Assim, importa clarificar que os eleitos locais não podem ser prejudicados na respetiva colocação ou emprego permanente por virtude de desempenho dos seus mandatos[1] e sendo funcionários públicos, se desempenharem funções em regime de tempo inteiro ou de meio tempo, consideram-se em comissão extraordinária de serviço público (artigo 22.º do Estatuto dos eleitos locais, aplicável às freguesias pelo artigo 11.º da mencionada Lei n.º 11/96).

Os eleitos locais em regime de meio tempo têm direito a metade das remunerações e subsídios fixados para os respetivos cargos em regime de tempo inteiro (artigo 8.º da Lei n.º 29/87 de 30.06).

Ora, no caso em apreço, o secretário da junta de freguesia a meio tempo, sendo simultaneamente trabalhador do município com contrato de trabalho em funções públicas a tempo indeterminado e a tempo inteiro, não pode pelo facto de exercer funções autárquicas ser prejudicado no seu regime de origem.

Por outro lado, também o município não pode ser prejudicado pelo facto do trabalhador não poder executar o total de horas de trabalho devidas a tempo completo conforme decorre do seu contrato inicial.

Como deverão então ser compatibilizadas estas duas situações?

Atendendo a que o desempenho de funções de secretário da Junta da Freguesia é efetuado em regime de meio tempo em comissão de serviço extraordinária, o outro meio tempo restante deverá ser prestado no município respetivo, com o qual o trabalhador tem contrato de trabalho, agora com redução do período normal de trabalho[2] em regime de tempo parcial nos termos do disposto no artigo 155.º n.º 1 da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual (Código do Trabalho), por remissão do artigo 68.º n.º 1 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprova a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP). Assim, terá de ser materializado esse acordo, por escrito, com a entidade empregadora.

Nestes termos está correta a interpretação da Câmara.

Quanto à segunda parte da questão, se este mesmo entendimento se mantém para um funcionário de uma empresa privada ou empresa municipal acompanhamos o que sobre esta matéria escreveu Maria José L. Castanheira Neves in “Estatuto dos Eleitos Locais” Ed. 2016 – Associação de Estudos de Direito Regional e Local pág. 89 e seguintes e que se reproduz: “…Por outro lado, os eleitos em regime de meio tempo não têm efeitos remuneratórios pela acumulação de atividades privadas, mesmo que remuneradas.

De facto, na atual redação do artigo 8.º do EEL, prescreve-se que “os eleitos locais em regime de meio tempo têm direito a metade das remunerações e subsídios fixados para os respetivos cargos em regime de tempo inteiro, sendo-lhes aplicável o limite constante da alínea c) do n.º 1 do artigo anterior”.

Ou seja, o único efeito remuneratório que estes eleitos tinham respeitava à acumulação e funções no setor empresarial público, participado pelo respetivo município.

Tendo essa alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º sido revogada, como referimos supra, dado que os eleitos locais não podem ser remunerados, nem em empresas locais nem em empresas participadas pelo seu município, tal significa que foi, igualmente, revogada a única norma que estabelecia efeitos remuneratórios pela acumulação de outras atividades, no caso de eleitos locais em regime de meio tempo.

Ou seja, um eleito em regime de tempo inteiro que exerça em acumulação atividade privada remunerada, recebe, no que respeita à remuneração base, o mesmo que um eleito em regime de meio tempo, ou seja, em ambos os casos, recebem metade da remuneração base.”

Assim, e em síntese, podemos concluir:

1 - O exercício do mandato em regime de meio tempo confere, apenas, direito a metade das remunerações e subsídios fixados para o respetivo cargo em regime de tempo inteiro;

2 - Um secretário da Junta de Freguesia a meio tempo que simultaneamente detenha um contrato de trabalho em funções públicas, pode acumular a remuneração que percebe no exercício destas funções, nos termos suprarreferidos, com a remuneração a que tem direito como eleito local na estrita proporção das horas trabalhadas efetivamente em cada uma das autarquias;

3 – A redução do período normal de trabalho para regime de trabalho parcial com o município deverá constar de acordo escrito entre as partes, no qual seja determinado o tempo e horário de trabalho estipulado.

É o que nos cumpre informar sobre o solicitado,

Á consideração superior,

 

[1] Aliás o n.º 2 do artigo 50.º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Direito de acesso a cargos públicos” determina: “2. Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos.”

[2] Artigo 276.º n.º 1 da LTFP que dispõe: “1 - A redução do período normal de trabalho ou a suspensão do vínculo de emprego público pode fundamentar-se na impossibilidade temporária, respetivamente, parcial ou total, da prestação do trabalho, por facto respeitante ao trabalhador, e no acordo das partes.”

Data de Entrada
Número do Parecer
2022/002